sábado, 25 de julho de 2009

Sobre a democracia.



O escritor português José Saramago, que escreveu Ensaio sobre a Cegueira, certa vez disse em uma palestra que de tudo se discute no mundo, menos a democracia, modo de governo que toda ou qualquer movimentação política que se preze almeja. E que, no Brasil, com sua Democracia juvenil, não existe, na essência, a tal liberdade. Os eleitores brasileiros são levados às urnas para votar naqueles que as grandes corporações e instituições, como FMI e Banco Mundial, desejam para lhe servir nos próximos quatro anos. E que reduzimos a tal "em simples atos de trocar o governo que não gostamos por um que podemos gostar".

Concordo com português, mas faço um esforço para debater a democracia brasileira. Ano que vem será a minha primeira eleição, ou melhor, meu primeiro voto. Ao tratar do assunto com meus pais, que gostam de me esclarecer às coisas, o que é positivo, vejo que, diante deles, eu é que sou o saudosista em casa. Minha mãe e meu pai já namoravam quando se deu a primeira eleição direta para Presidente da República, em 1989. Foi o primeiro voto dos dois. Naquele momento eles tinham um sonho, uma esperança e uma utopia possível, sonhando com Democracia e Liberdade, dentro do seu voto.

A conjuntura em que eles viviam, cujo momento os políticos debatiam temas relevantes, mostravam suas ideologias – quando elas ainda existiam -, todos os eleitores sabiam onde o seu candidato andava nos rumos das idéias. Hoje, sem querer ser pessimista quanto ao meu tempo, encontro minha geração virando as costas para as utopias possíveis, com as esperanças mortas e a perspectiva para o que é Democracia inexistente. Mas a culpa não é somente nossa, “jovens do futuro sem futuro”.

Existe toda uma conjuntura escondida por trás das cortinas que envolvem o poder, entre elas a TV e a Internet, mídias mais próximas de nós, que favorecem para a falta de informação na perspectiva da Democracia e na morte do sonho por uma vida mais digna, uma política mais séria e um país desenvolvido em todos os aspectos, social e econômico.

Segundo alguns professores e livros, as conspirações existem, e por um simples motivo: o poder. Não necessariamente o poder de executar, mas de ser um ator presente em todas as execuções, o ar de ser privilegiado. Com isso, vez ou outra, nos chega um bilhete pelos famosos folhetins desvendando tais cortinas que nos escondem a verdade, mesmo sendo a favor das mesmas. As denúncias dos escândalos, os mensalões e mensalinhos, fazendo da política caso de polícia. A prova de que a culpa não é somente nossa da morte dos sonhos está nos abraços e sorrisos de Lula com Sarney e Collor. Onde foram parar as nossas ideologias?

É dessa forma que vamos assinando o óbito de nossas esperanças, sonhos e utopias possíveis por um mundo melhor, deixando de lado nossa participação na construção da democracia brasileira através do voto, que é o primeiro passo para consolidar a mesma., por causa de um passo em falso dquele que um dia nos disse estar do nosso lado. Mas homem sem sonho não vive, apenas sobrevive. Enquanto eles não dormem pensando se vão ganhar ou não as eleições, eu vou sonhando em acordar com um sonho em 2010, para fazer, como dizia Cazuza, um dia nascer feliz, para todos nós.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Obsessivo por livros


Em um dia de preguiça e chuvoso como hoje, a única saída para deixar o dia mais gostoso é uma boa leitura. Não tenho o costume de ler durante o dia, prefiro ler tudo que tem direito à noite e depois, no dia seguinte, se for o caso, fazer as anotações, observações sobre o que li na noite passada. Mas são raras as situações em que passei o dia inteiro lendo, e relendo. Quando o dia está tendencioso a essa malemolência toda, fico revezando entre um livro, um artigo na internet, um ou dois filmes, volto aos livros, e assim vou terminando um dia cheio de suavidade, de frieza e de muito raciocínio.


Mesmo tendo esse prazer pela leitura, assumo que tenho alguns problemas com os livros. Sempre tenho dois livros próximos, que os considero leitura atual. Basta uma folhinha nova passar pelos meus olhos que eu já me jogo em cima e procuro saber do que se trata. Uma amiga disse que isso é um caso clássico de “Leitura Obsessiva”. Sempre freqüento os sebos do Recife, dos mais sofisticados até os mais estilizados, cheios de clássicos e livros interessantes. E sempre que vou nesses lugares, participo de uma negociação e volto pra casa com um ou dois livros, no máximo. Às vezes nem termino um livro e já inicio outro, e que por conseqüência também começo outro, por causa de uma citação, que me leva a outros livros por inúmeras citações, e me perco ( ou me acho) no mundo das letras.

Em casa já cheguei a formar uma torre de livros ao lado da minha cama, que ia de todos os estilos – romances, didáticos, crônicas, contos, científicos, algumas peças. Sem esquecer, é claro, das revistas que vou juntando. Quando sobra algum trocado, passo na banca e recolho uma Cult, Bravo, Pernambuco, Le Monde e, nas últimas, pego a Carta Capital. Todo dia, seja na internet ou em papel mesmo, leio os três jornais de Pernambuco e alguns de fora, de preferência um do Rio e outro de São Paulo. E assim vou colecionando minhas leituras diárias. Tenho um bloquinho para anotar algumas coisas que acho interessante nos jornais, mas não tão importante para guardar as matérias. Aumentando a relevância do que leio, guardo a página do jornal, sublinho as melhores frases e deixo bem seguras nas estantes, perto das revistas que vou colecionando.

Além dos sebos, eu tenho alguns xodós, como bibliotecas ou livrarias em Recife. A clássica biblioteca que fica nos meus sonhos é a do Parque Treze de Maio, onde eu entrei em contato com os primeiros exemplares, muito empoeirados, do 18 Brumário, mesmo sem entender muita coisa. A da faculdade de Direito, também no mesmo quarteirão, me proporcionou um encontro com Michel Foucault. Na Zona Oeste do Recife tem uma que me atrai muito, talvez pela burocracia que existe lá dentro, que é homogeneamente filosófica. Pouco fui lá, apenas duas vezes, mas foram inesquecíveis. E por último a livraria cultura, aquele prédio que parece mais um paraíso, contribui intensamente pela minha obsessão por livros, sempre querendo mais.

Os amigos já sabem quando compram um livro novo. Têm que me apresentar seja ele qual for. Pergunto sempre as pessoas o que elas estão lendo e o que estão achando do livro. Acho a leitura fundamental. Essa minha preocupação com a leitura dos outros me rendeu um nobre apelido: Rato de livros. Disputo com as traças e com as poeiras sempre um bom livro. Um bom livro me enobrece, e me enriquece, e me faz entrar em contato com personagens de outro mundo, com outras línguas e que trazem uma visão diferenciada do mundo. Os livros são bons companheiros aliados aos amigos e nunca nos deixam em silêncio.

domingo, 12 de julho de 2009

BG da semana


Titãs em conexão.


O BG da semana vem passando por problemas técnicos que, em breve, serão resolvidos. Por isso, a dica ou a observação musical dessa semana vai para um CD que eu não gostei e sem demonstrações. Recentemente, a banda paulista de Rock Titãs lançou seu novo trabalho, o disco Sacos Plásticos e, sinceramente, para quem escutou os Titãs em outras aventuras, sabe muito bem que o som que os caras estão levando não é muito a identidade dos paulistas.

Senti muito presente nas letras a intensidade da ressalva de que hoje se faz música por dinheiro e, ao mesmo, uma descida melancólica aos hits, sons e toques na guitarra que foge mesmo ao estilo verdadeiro dos Titãs. Mas, venho concordar em um ponto com o novo CD. Os caras abraçaram a tecnologia e misturam aos riffes sintetizadores e batidas eletrônicas, mostrando ao público que a banda está antenada no som atual.

O Sacos plásticos pode ser considerado uma reciclagem ou uma renovação do estilo rock dos anos 80 dentro do século XXI. Pode ser, mas ficou longe daquele Titãs que marcou. Ficou um som mais experimentalista e panflentário. Só vale ressaltar que isso não impede outro disco que faça jus a história da banda que marcou a geração do "Homem Primata", "Televisão" e do descanso na "Sonífera Ilha".

sábado, 11 de julho de 2009

Na onda da vida.

Edgar livrava-se da graxa que tingia sua mão. Usava um pedaço de pano, todo desalinhado, provavelmente de origem antiga das roupas que não cabem mais naquele pobre homem. Não seria raro encontrar naquele molambo uma propaganda, uma marca de produtos cosméticos ou alguma fotografia de um antigo político. Talvez esse último seja difícil, pela época em que estamos.

Edgar apontava os olhos ao horizonte através de uma grade que cercava sua oficina. Os clientes haviam partido, já era hora de almoço, e só restavam alguns ruídos de Ciro, o pequeno enteado que o ajudava no serviço. Ainda relutando por uma pinta preta entre o indicador e o dedo central, Edgar anunciava a Ciro que dali a pouco estariam os dois na rua, para resolver umas pendengas da família. E ainda com o olhar perdido, Edgar se desfazia do paninho, olhava-se no espelho e chamou Ciro para seguirem.

Ele desfazia o mito sobre os mecânicos. Edgar além de muito limpo, era organizado. Todas as ferramentas, desde os alicates às chaves mais calibradas e específicas, recebiam uma ordem numérica e ficavam guardadas em gavetas encontradas numa mesa central da Oficina. Casado com uma viúva de um antigo motorista da Usina, Edgar tinha pouca sensibilidade paterna com os novos filhos, mas sabia da responsabilidade de educá-los para o mundo que os espera, principalmente no que toca a integridade e o respeito aos outros.

A moça com quem Edgar casou tinha três filhos do primeiro casamento. Os três ainda muito novos para angariar obrigações, mas nada que detivesse a projeção de vida daquele mecânico, que pôs todos os meninos para trabalhar na Oficina, em pequenas atividades, muitas vezes em quase nada, entretanto, já proporcionando uma imagem da vida real que Edgar tinha em mente.

Ao passar pela rua, Edgar cumprimentava os vizinhos, galanteava algumas senhoras e se pormenorizava com Ciro, com algum zelo, sobre a vida íntima de alguns senhores que andavam na ilegalidade familiar. Quando os dois chegaram a principal avenida da cidade, encontraram um frenesi pelas ruas. A notícia, feito bomba, caiu na boca do povo de que a Barragem havia estourado, depois de incansáveis cinco dias de chuva. Os olhos de Edgar encheram-se de preocupação. Ciro o olhou atentamente, apertando-lhe as mãos, como se dissesse “me proteja e a todos lá em casa”. Edgar decidiu voltar.

Na rua que beirava o Rio, equilibrando-se pela linha do trem, os dois observam a força com que água descia o caminho tradicional do Rio Capibaribe. Mulheres com as saias dobradas na altura do joelho reclamavam sua desgraça, clamando por piedade de seu Deus. Alguns homens arriscavam-se a segurar suas riquezas que se escapuliam nas pequenas trombas d’água que lambiam as ruas.

A mãe de Ciro estava grávida de um menino, filho de Edgar, o primeiro do casal. Os olhos da moça lacrimejavam de tanta angústia sobre aquilo. O mais novo do trio do primeiro casamento, corria para cima e para baixo na rua de sua casa, preocupado com a notícia. O João, o mais velho, enquanto jogava bola num campo de Várzea, ouviu comentários da platéia que a Barragem tinha rompido e o perigo era eminente. O atacante do Colibri, clube da rua dos meninos, ao saber de tal notícia, foi em busca de marcar o seu melhor gol: salvar sua família. Ao cruzar toda aquela imensidão de cana e lama, João desvencilhava-se das armadilhas como se livrava dos zagueiros. O garoto ia fumegante. Ao chegar à rua de casa, observou sua mãe, com a mão no bucho, preocupada com a situação. “João, menino, onde tu tava? Vai lá pra dentro, agora menino”.

Em Recife, na redação do Diário de Pernambuco, a notícia chegou com o alarde. Na chefia da redação estava um senhor de bigode chamado Severino Malta. O estagiário de fotografia, Melo Andrade, que voltava de uma matéria especial na Zona da Mata, fotografou o limite que o Capibaribe atingira, confirmando a informação que haviam passado para a redação: a barragem rompeu.

- Severino, é urgente. Muita gente pode morrer se não tomarmos uma posição urgentemente. Há indícios de que a Barragem rompeu, em Limoeiro, muita gente pode morrer alagada e água vai chegar a Recife em pouco pelo Rio Capibaribe – disse o estagiário.

Severino, sentando em sua cadeira, olhou atentamente para Melo Andrade e disse “Vamos cobrir e avisa a Defesa Civil”.

O telefone da Rádio Clube de Pernambuco tocava. O operador de áudio atendia e ouvida os testemunhos. "Tem muita água no Rio, vamos morrer afogados". Ele passou a informação para o produtor de Jornalismo que, imediatamente, mandou uma equipe para o local e ficou noticiando detalhes durante a programação musical.

A noite chegava, Edgar e familia se resguardavam em casa, uma vez que não havia outro lugar para ir, senão ficar na cidade. A casa de Roberto, parente mais próximo, também corria o mesmo risco, já que fica à beira do rio. Depois de jantar em um silência preocupante, todos dispersaram pela casa. A esposa de Edgar foi lavar os pratos, com os olhos cheio de lágrimas, enquanto João descansava a janta encostado na posta da cozinha. Edgar foi até a porta da frente, onde observava a chuva que caía, a água que escorria pela ladeira e agrande poça que foi armada no final da rua.

Ciro foi o único que ligou o rádio, um motobrasil antigo. Ligou na Rádio Clube, ou pelo menos tentou, e ficou relutando com os pitocos do aparelho para tentar entender o que o radialista tentava dizer. Na verdade, tocava uma música de Nelson Gonçalves, cantor predileto de Edgar, que pediu para deixaram tocar. De repente, entra uma voz muito empostada que traz notícias sobre as chuvas, a primeira da noite.

"Atenção, senhoras e senhores. A chuva dá um trégua, mas a suspeita de que a barragem rompeu é falsa. Mas, segundo informações da Defesa Civil, é necessário manter o alerte porque, se a chuva continuar, ela pode romper."

Todos ficaram aliviados e preocupados ao mesmo tempo. A verdade é que, olhando pro céu, dava para dormir tranquilo, só que na torcida para que continuasse sem chover.


*A história continua.