terça-feira, 28 de agosto de 2012

Para expressar a liberdade


Você se  incomoda porque o seu cabelo enrolado é feio quando passa na Tv, porque sua música preferida não toca no rádio, porque sua religião é distorcida e generalizada em novelas, séries e reportagens, porque sua ligação telefônica cai a todo instante e você paga caro para usar o sinal dessa operadora, porque não há conexão à internet pública para facilitar o andamento de estudos, reuniões e, inclusive, passeios turísticos na sua cidade, porque homens ou mulheres que optam por se relacionar sexualmente com pessoas do mesmo sexo são ironizados com "naturalidade", porque todo investimento não sustentável é negligenciado, porque assassinatos políticos e censuras cotidianas não são revelados pelos meios de imprensa, porque você, jornalista, não pode escrever ou falar porque é contra a linha de financiamento do Jornal, Rádio ou Tv em que você trabalha, porque grupos de arte não podem produzir audiovisual, porque as prefeituras fazem de suas secretarias de imprensa mera assessoria publicitária, porque a greve da sua categoria é criminalizada e qualquer protesto é vandalismo, porque o livro ideal para sua monografia não está à venda nas livrarias e, ainda assim, custa uma fortuna??? 

Chegou a hora de postar na sua rede social a tag #paraexpressaraliberdade e agregar força à luta pela Liberdade de expressão e pela pluralidade de informação,  seja ela onde for. Assim, me encaminho nessa campanha pela total liberdade de expressão. E você? 


domingo, 26 de agosto de 2012

As profissões que recriam a utilidade.

Foi há um mês, quando precisei fazer uma nova cópia da chave da porta da minha casa, que eu redescobri esse mundo de profissões ignoradas, como sintetiza Paulo Barreto(ou melhor seria chamá-lo de João do Rio, autor de A alma encantadora das ruas). Em uma dessas cervejadas além da conta, as minhas chaves resolveram voltar sozinhas para casa. Não aguentavam mais de sono, uma conversa sem rumo e pegaram o caminho de volta. Mas se perderam, fugiram do meu alcance e eu precisei fazer uma cópia das que estavam em casa, sob observações dos meus pais e de Roseli. 

Cheguei no rapaz conhecido como chaveiro e pedi pra ele fazer duas cópias. Imaginei que custaria uma fortuna, afinal desvendar os segredos de uma fechadura é de fato uma missão enigmática. Chaveiro recorria a um olhar clínico, sentia bem as curvas do segredo, imaginava a dificuldade posta propositadamente e ia descobrindo aos poucos os caminhos. Ligou sua máquina, que foi imprimindo em outro metal as mesmas silhuetas da chave oficial. Em menos de dois minutos, incluindo a parte estética do lixar as curvas, retirar o pó e concluir com um leve sopro de finalização, já tinha de volta a garantia de entrar em casa. 

Fiquei surpreso com essa minúcia, essa pequena elegância do chaveiro. Um salvador de almas perdidas e trancadas. HD dos esquecidos, distraídos pelos pássaros ou simplesmente pela nuvem mais gorda daquele  dia, deixando as chaves em lugares destinados aos perdidos. 

Espero que minha amiga Laura da Hora não exija muito do meu texto em relação a macro e a microeconomia. Minhas referências econômicas são outras, talvez mais literárias. Acontece que já faz um tempo que venho refletindo sobre essas profissões singelas, mas ignoradas. Em cada esquina mais comercial tem uma banca de chaveiro, um borracheiro, um colecionador, um vendedor de selos. amolador de alicate de unha, mecânico de panela de pressão, um tirador de foto 3x4. Fico surpreso e contente ao mesmo tempo com essa variedade de profissões que costumam transformar o inútil em útil com uma facilidade sem medida. Apenas um argumento, um convite, uma demonstração habilidosa e tá conquistado o cliente. 

Sei que toda essa condição singela vai além do que imaginamos. Há embutida nas almas desses homens e dessas mulheres uma tendência ao que é simples, uma tendência à recomposição e à simplicidade. Há dias venho admirando esse comércio informal, essa talvez microeconomia, mas que deveria estar nas macroeconomias, determinando PIBS, elevando gráficos do país, recebendo mais incentivos fiscais, participar de negociações internacionais no Ministério da Fazenda. Deveriam ser considerados homens de negócios. Afinal, concordamos em um assunto: viver à sombra dessas fábricas grandiosas, não é fácil. 

Por isso, para esse texto instintivamente emocional, vou solicitar um fragmento de João do Rio, meu escritor preferido do momento. Ele resume toda essa história da melhor forma possível: 

Esses vendedores ignorados, segundo João do Rio, "[...] são os heróis da utilidade, os que apanham o inútil para viver, os inconscientes aplicadores á vida das cidades daquele axioma de Lavoisier; nada se perde na natureza.A polícia não os prende e, na boêmia das ruas, os desgraçados são ainda explorados pelos adelos, pelos ferro-velhos, pelos proprietários das fábricas."


Na verdade, ouso concluir: são eles as resistências, as esperanças de solução para um mundo cada vez mais insuportavelmente descartável. 

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Tirando a poeira da história.

O Brasil inteiro promove agora em agosto um cinematográfico sopro em sua memória. Consagrado país da amnésia, em virtude de seus atropelos éticos e políticos, investe, sem pudor, na lembrança de seus mestres literários. Uma dupla injeção de ânimo. Lembrar e cultivar, muito embora as duas coisas possam servir ao mesmo propósito, uma palavra substituir a outra em momentos de ocupação vocabulária.

Mas o Brasil vem surpreendendo com suas mais recentes preocupações, fazendo com que Bienais - mesmo que o objetivo seja o lucro - comemorações de centenários e lançamentos dividam espaço nos jornais e na tv com homicídios, roubos e desvio de conduta de políticos irresponsáveis. Sei muito bem que não é uma boa companhia, mas ameniza o susto, melhora o jantar e o sono chega mais leve, ou o dia começa mais agradável. 

Muitos festivais de literatura, palestras, peças e filmes exibem-se para homenagear um escritor, um homem ou uma mulher que soube acalentar almas com um verbo, indicar caminhos em momentos inoportunos, sacudir inércias e cultivar ideias para um mundo melhor. Nada mais justo do que homenagens, aos vivos e aos mortos. 

Como nos alertou Pilar Del Río, esposa do já saudoso José Saramago, sobre as lembranças de Jorge Amado: "não se comemora o centenário de um escritor, celebram-se os cem anos de vida de um ser humano que a qualquer momento pode aparecer na esquina"

Cem anos passam rapidinho dentre de um ano comemorativo e, além da nostalgia, a sensação de que algo escapuliu, uma limitação da memória em contemplar a grandiosidade de alguém que fez o simples, teima em persistir. Em 2012, duas figuras são celebridades por, se estivessem vivas, comemorar cem anos. Um centenário. Tanto o baiano Jorge Amado, autor de palavras de peito aberto, quanto Nelson Rodrigues, o recifense cedido muito cedo ao Rio de Janeiro, que deixava o mundo arisco com suas verdades inconfessáveis, matam as saudades de seus antigos admiradores. 

Reaparecem para a jovem que despertou para literatura com o livro Capitães de Areia,amargamente sugerido pelo professor de português da oitava série e depois lido com uma paixão incontrolável. Reaparecem para os discretos porteiros de prédios da classe média recifense, que folheiam edições de Nelson Rodrigues vendidas num sebo mais perto, exatamente contextualizado, favorecendo vertigens e identidades. Reaparecem nas adaptações da TV, movimentando enredos extraídos da realidade, de um pedaço de verdade que acontece no dia-a-dia, no calor das ruas, no furor do tesão, na afiada raiva que explode no conviver humano.

Reaparecem orgulhosos nas novas estantes de Bibliotecas Comunitárias, metamorfoseando mundos, iluminando pequenas ideias e contribuindo nos primeiros passos. Reaparecem incentivando novas visões sobre a história, cutucando historiadores, refazendo juízos de advogados, repensando corações de amantes. Reaparecem nas emergências dos hospitais, retomando o fôlego da esperança  em um médico enfadado, um sopro de vida a um paciente com câncer. Reaparecem nas repartições públicas, ocupando os intervalos, lidos ao aroma do café.

Reaparecem citados entre brindes e sorrisos, entra abraços e choros, lembranças e expectativas numa mesa de Bar. Num comentário soberbo, lesado de precisão, mas coberto por boas intenções, observações pertinentes para a resolução das tristezas da vida. Reaparecem num rompante: "Assim disse Jorge Amado", "Oxe, Nelson Rodrigues disse uma vez..." Reaparecem com palavras convertidas em imagens pela inspiração do fotógrafo. 

Eles reaparecem, cheios de pompas, glórias, sorrindo. Reaparecem em novas capas, em papéis reciclados. Reaparecem nas prateleiras, no descortinar das poeiras,  retomam os tablados convertendo a - ainda - pequena plateia do teatro. Ressurgem, com um sorriso na ponta da boca, com as mãos no bolso, para nos fazer olhar diferente para a Salvador de hoje e para as ruas do Rio de ontem. 

Sacrificam-se esses homens, a preço de sua reclusão reflexiva, para reaparecer neste mundo, encoberto de incertezas, e nos ensinar a reescrever nossa história. Um brinde aos 100 desses "pequenos" importantíssimos nomes de nossa literatura: Nelson e Jorge! 

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Aquela mesa.

Sou do tipo sonhador. Não deixo o futuro me escapar. Escalo situações, planejo os sorrisos, prevejo os amigos e desenho o amanhã. Sou do tipo que não desperdiço o presente: consolido os antigos futuros. 

Não adianta" ficar" sem pensar em namorar, começar pensando no fim, casar imaginando a comunhão de bens, torcer sem acreditar, mentir de verdade, tomar banho de roupa. Tudo tem que ser feito como se estivesse lançando a sorte grande, sentindo a sensação de preencher o vazio, de não largar a esperança sozinha numa estrada de ciladas.

Tudo se resume no se doar, na entrega, na vertigem. Foi assim, dentro de um sonho, que descobri o grande significado da mesa. Isso, a mesa.  Um dia desses achei que poderia ser meu próprio arquiteto e, durante uma incontrolável vontade de pensar a casa própria do futuro, me danei a desenhar a maquete da minha residência: pisos, móveis, estantes, cozinha, lugar das plantas, o espaço do cachorro, discos, tvs, quarto dos meninos e a mesa da sala. Tudo muito bem dimensionado. E, de repente, notei que durante todo o planejamento, me preocupei exaustivamente com a  mesa, a danada que ficaria na sala, com cinzeiro, cadeiras rebaixadas 1cm, próxima às estantes dos livros e dos discos. .

Quem já casou deve saber que, na hora de montar a mobília, pouco se pensa na mesa. Compra-se tudo, menos a mesa. Ah! Um detalhe: o casamento que falo é de classe média baixa razoável. Compra-se de tudo, menos a mesa. Descola qualquer uma com um cunhado, pega emprestado uma de plástico com a marca de cerveja  num Bar mais íntimo - geralmente, onde se faz um fiado - , ou então a sogra disponibiliza a primeira mesa do casamento dela, que tava encostada no quintal, guardando as panelas velhas ou servindo de poleiro para as galinhas durante o passeio. Mas, no final das contas, nenhuma atenção, um mínimo cuidado.

Acontece que, curiosamente, depois de tanto distanciamento, depois desse desapego cruel, cria-se uma afinidade, um tênue cuidado. Aos poucos,desenvolve-se uma mania. As falhas do chão da casa já se amoldam às pernas da mesa, ora com uma gentil contribuição de uma tampa de Fanta KS ou o próprio vazio do buraco acolhe carinhosamente a estrutura da mesa. Rola um sintonia entre esquecidos e humilhados: a mesa compartilha suas agruras de um rebento desprezado, enquanto o chão argumenta que o pior é ser pisado mesmo sendo decorado com uma cerâmica, um carpete. Tanto cuidado para um pé desatencioso.

Depois de um tempo percebi que a mesa merecia o cuidado que recebeu. O mundo dos domicílios comete uma injustiça com este móvel diante da pompa das novatas LCDs/Plasma, dos Iphones, das geladeiras e dos Splinters. Nenhum desses segura a ponta do dono da casa como a senhora mesa.

Na hora de fazer as contas, no meio da madrugada, contendo as dores de cabeça vindas da preocupação, lá está a mesa exposta ao sacrifício de não dormir para que você acerte os cálculos das dívidas. Assim que você termina a contabilidade, o sol já nasce e as crianças acordam, enchiqueirando-se ao redor mesa, depositando o peso da indiferença em quem já serve o café da manhã.

É a mesa quem reúne, quem junta os diferentes, quem ameniza os entraves, as raivas. É a mesa, quando não o travesseiros, quem enxuga as lágrimas de um fim de casamento, de um luto como cantou Nelson Gonçalves.. É a mesa a primeira a concordar com uma festinha de comemoração pela aprovação no vestibular, pelo aumento de salário, pelo novo emprego ou simplesmente para matar a saudade.


É a mesa quem suporta as roupas sujas ou as limpas, que estão esperando para se engomar. É a mesa quem salva o estudante relapso ou o que sofre de déficit de atenção em época de prova; é quem segura as pontas da ansiedade na hora dos estudos, da monografia. É quem recepciona visitas, quem acomoda o avô na hora da espera. A mesa é quem sustenta um dos mais bonitos arranjos da sala, da casa, do ambiente. E ainda assim ela é esquecida, trocada, envelhecida pelo tempo, mofada pelo desprezo. 

Mesmo depois de usada, depois de amargurar os maiores ciúmes, ela se conforma com o quintal ou o quarto de depósitos, junto às tralhas e ao sufocante cheiro de inseticida. Conforma-se porque sabe que outra chega e assim a geração continua, o objeto permanece, silenciosamente, como o mais importante da casa. O charme da mesa é ser discreta.



terça-feira, 14 de agosto de 2012

As memórias que o futebol acende.

Ainda guardo o bilhete que era meu passaporte para o monumental Estádio do Arruda. Era 1997 e o jogo era válido pelo Campeonato Brasileiro da Série B. Uma partida intermediária, nada decisiva, apenas contagem de pontos e no horário noturno, natural do meio da semana. Ainda na segunda-feira, às vésperas do espetáculo da Quarta, meu pai e minha mãe me presentearam uma linda camisa do Santa Cruz. Precisava estar bem vestido para um Santa x Payssandu. 

Às 15h do dia do jogo não conseguia segurar a ansiedade. Olhava para a blusa, corria no quintal chutando a bola e narrando o que seria a partida da noite: "Lá vai Mancuso pela esquerda, trabalhou com Biliu no meio de campo, que já lançou para Camanducaia, sozinho na grande área, ele e o goleiro. Preparou-se para o chute: é gol, do Santa! ". 

Ia por ali, imaginando o meu clássico da noite, o meu futebol, a minha paixão. A caminho do Estádio, ouvia o rádio exibir as análises dos comentaristas. Os desfalques, as estratégias; repórteres transmitindo ao vivo informações sobre a movimentação do público na área externa. 

Ao se aproximar, já na esquina da Avenida Beberibe, lá estava aquela estrutura imensa esperando a minha estréia como torcedor do Santa Cruz. A qualquer novato ou visitante, o Arruda impressiona. Uma arquitetura colossal, um charme sem luxo, uma história em concreto. 

Ali foi minha primeira experiência com o futebol profissional, nas arquibancadas, nas vibrações. Mas me acostumei com as peladas no meio da rua, na prática da famosa barrinha: dois times com dois meninos e as traves da barra com pedras adaptadas. O maior embate, nesses clássicos de São Lourenço, era com as ladeiras do Parque Capibaribe, bairro que cresci. Elas deixavam a partida mais eletrizante.  Era um pelada raçuda, disputada nas últimas canelas e na eficiência da velocidade. 

Depois, eu e meus parceiros de futebol ganhamos uma quadra, na praça de eventos. Transferimos nossas habilidades para lá e trouxemos de volta a paciência da vizinhança. 

Desde esse tempo, percebi que o futebol tinha essa capacidade de unir gente, de valorizar o coletivo. Admirava ver uma jogada na raça ser reconhecida pelo companheiro, a vibração de um esforço, o aplauso de uma linda jogada, a expectativa de um gol de longa  distância e um abração de consolo depois de uma falha. Os gritos, as gírias - "Olha o ladrão, é nossa" - tudo sinaliza para um esporte em equipe, sem exibicionismo. 

Eu adorava e adoro quando um jogador-treinador, durante a montagem de uma jogada, alerta: "faz o fácil". Inconscientemente, o futebol ativa esse instinto simples, colaborativo e solidário que está adormecido. O futebol tem dessas coisas de fazer o olho brilhar, o estômago ficar lotado de emoções e o coração, acelerado, se apaixonar constantemente. 

É um verdadeiro baile de chuteiras, numa dança rústica e masculina. O futebol é o charme nacional. Não há quem segure a emoção de um Maracanã, Arruda lotados. A euforia não tem censura. Há quem se derrame pelas ruas lamentando a frustração, como eu lamentei em 1997, na minha estréia como torcedor, a derrota para o Payssandu. Mas também já varei madrugadas, fiz carreata, pintei o rosto e me enrolei na bandeira para comemorar títulos, vitórias, glórias e ascensões. 

Mesmo no tempo do consumo, na fulminante máquina capitalista, na fábrica de estrelas publicitárias, que cada vez mais minimizam o futebol e maximizam um espetáculo vazio, a minha esperança no futebol continua acesa, assim como minha memória afetiva, que me faz lembrar de Givanildo, Ramon, Luciano Veloso; me faz lembrar dos mais recentes, como Luizinho Vieira, Reinaldo, do grande goleiro Nilson, do arqueiro de 2005 Cleber. 

Me fazem lembrar e, ansiosamente, esperar por um futebol de brilho, de raça, de solidariedade, de empenho. De um futebol que, no fim de tudo, peça só uma coisa: "faz o fácil". 

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

O encontro com Galeano na padaria.

Hoje, eu tinha um bom texto para escrever. As ideias me ocuparam o dia todo. No ônibus, me coçava para chegar em casa logo e escrever esse texto. Mas o cansaço brochou o pensamento, atrapalhou o fluxo das letras e engarrafou a coragem. E para melhorar a situação de vocês, meus leitores, quem encontrei há pouco misturado ao povo na padaria foi Eduardo Galeano. Ele, esse mestre da arte, do pensamento e das letras,  fala melhor do que eu de todas as impressões que tive  da padaria, depois de comprar meu pãozinho tradicional. É lá que me confraternizo, que me queimo nesse fogo brilhantemente ardente do Galeano. É lá que dou um Caps Lock na minha humanidade, onde escuto boas histórias, onde vejo que não há conflito entre as diferenças.  Na saída, meio saudoso, Galeano  me ofereceu um texto, que sirvo para vocês, com manteiga e afeto. 

Prometo amanhã oferecer um texto a Galeano e, quem sabe, ele, carinhosamente,  compartilha com vocês no facebook. 

O mundo. 

"Um homem da aldeia Négua, no litoral da Colômbia, conseguiu subir aos céus. Quando voltou, contou. Disse que tinha contemplado, lá do alto, a vida humana. E disse que somos um mar de fogueirinhas. 

- O mundo é isso - revelou - Um montão de gente, um mar de fogueirinhas

Cada pessoa brilha com luz própria entre todas as outras. Não existem duas fogueiras iguais. Existem fogueiras grandes e fogueiras pequenas e fogueiras de todas as cores. Existe gente de fogo sereno, que nem percebe o vento, e gente de fogo louco, que enche o ar de chispas. Alguns fogos , fogos bobos, não alumiam nem queimam; mas outros incendeiam a vida com tamanha vontade que é impossível olhar para eles sem pestanejar, e quem chegar perto pega fogo."

Assim, voltei pra casa, depois de uma conversa de pé de ouvido com Eduardo Galeano. 

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Nas vias da saúde.

Meu pai comprou uma bicicleta. Linda, consegue alcançar uma velocidade interessante, muito disso por conta da leveza de sua estrutura de alumínio. Mas caso desista do movimento, dois freios a disco sustentam o meu peso e contém a pressa. O único incômodo até agora é a sela, que tá deixando os países baixos um pouco estranhos depois do passeio, e o pedal, que tem uns cravos de segurança antiderrapante. Mas nada que um sapato não resolva o segundo problema. Já o primeiro...só o tempo. 

Pra quem não entende bulhufas de bicicleta, a bicha é uma máquina. Tou só esperando a recuperação financeira dessa para, junto ao meu pai, investir em outra, para que a gente possa juntos curtir o Recife por outro ângulo, aproveitar os ventos mais tranquilos de setembro. 

Da bicicleta o ponto de vista é outro. É mais tranquilo, mais ameno, menos rancoroso, menos intransigente. Nessa minha retomada ciclística, já percebi outro mundo, outros comportamentos. Percebi que os ciclistas são mais educados que os motoristas. Em cruzamentos ou pequenas ciladas no meio da rua, todos se prontificam a uma solução. Depois de resolvida a situação, um aceno, um balançar de cabeça bem gentil, que chega a parecer um combustível para as pedaladas. 

Acho lindo as crianças, que usam os seus sininhos para uma conversa em código no trânsito. Um trin-trin charmoso. Vão ali, na sua pequena introdução à sociedade. Compartilhando experiências com seus amigos, entendendo melhor sobre equilíbrio, argumentando mecanicamente sobre as rodinhas, o desafio da velocidade, os melhores roteiros. 

Vou pedalando e compreendendo a pressa dos mais velhos, com seus veículos mais robustos, com bagageiro, uma bolsinha com a farda e as ferramentes presas atrás e a esperança de encontrar em casa a esposa já de volta do trabalho e o  menino fazendo a tarefa de casa. 

Ainda não encontrei aquele pessoal do Corujaqueira. A galera é muito organizada, uma finesse só. Primeiro, que eles só andam em bando, o que deve ser bastante divertido; segundo, que são extremamente educados, preocupados com causas ambientais, com a saúde, são politicamente atraentes. Além, é claro, do ímpeto explorador do Recife, de cortar grandes distâncias na limitação das duas rodas. 


Isso me faz lembrar meu amigo Terêncio, que tem tudo a ver com esse povo do Corujaqueira. Terêncio é extremamente empenhado em seus desafios. Em 2009, ele topou ir comigo até o Recife Antigo. Na época, minha bicicleta não era uma grande máquina, mas aguentou nossa jornada, e ainda seguiu conosco até Olinda, em pleno fervilhar das prévias. A demora é só Terêncio voltar de Natal para a gente agendar uma pedalada até o Brenand, aqui na Várzea. 

A outra demora também é o meu condicionamento físico. O tempo gosta de zombar do homem. Mesmo em intervalos tão curtos, já deu pra perceber a diferença, o avançar da idade, as duas décadas pesando mais de 70 kg e a dificuldade da cerveja e das gorduras deliciosas saírem do corpo depois de 30min de exercício. Já tou me resolvendo para não ouvir de um coroa de 60 anos, embalado na sua pequena maratona, esnobando a minha fragilidade com  o clássico "Tão novo". Tão novo é uma merda. 

O sedentarismo é uma tendência entre os Universitários. Meus amigos de sala ainda insistem em marcar uma pelada, mas poucos comparecem. Atrasam. Depois, na hora da resenha de mesa de bar, aparecem uns 15 comentaristas. doidos por cerveja e uma boa conversa. Mas correr, ninguém quer. Eu tou mudando essa concepção. Já comecei pela bicicleta, curtindo o mundo às pedaladas. O próximo desafio será um Pilates. 

Pode parecer estranho, mas eu sou mais lerdo, mais intimista. Vou pelas beiradas, como um passeio de bicicleta nas ruas sem ciclovias do Recife, driblando o sedentarismo inconveniente, mal-educado, veloz,  que tenta parar nosso trajeto rumo á saúde. 







segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Nem toda mentira é absoluta. É só um tempero.

Foi há duas semanas, no campus da UFPE, na minha pequena e agradável maratona rumo ao Portal, cortando os 400m entre o Centro de Filosofia e Ciências Humanas e o Centro de Ciências da Saúde. Ia prosear um pouco sobre História, o mundo, contar, olhar a esperança de perto nos meus amigos. 

No meio do caminho, algumas "salvadoras da pátria" quando a fome acomete os estudantes. Aquelas barraquinhas improvisadas na mala de um Fiorino 98, com aquele velho pastel frio, fantasiado de recheio; aquele cachorro quente sem graça, mas que, na hora que a barriga passa a fazer barulho, é o que salva. 

A dona de uma dessas barracas-salva-vidas me provou que Fernando Pessoa renasce na língua portuguesa onde a imaginação está viva. Dona "dona" estava fazendo o que há de melhor nesse mundo: conversando. Mas não era qualquer conversa: era conversando sobre os outros . E, o que é melhor ainda, não era qualquer outro: era um outro íntimo, chegado, que merecia uns puxões de orelha. Conversava empolgada com um rapaz, que aparentava também ter um grau de intimidade relevante. 

"Aquele bicho é mentiroso demais, rapaz", confessou, sem elegância no tom da voz, o amigo da história. Dona "dona", mesmo contrariada, concordou, deu o braço a torcer e ampliou o assunto: "É mermo, visse? Parece que ele dorme sonhando com a mentira pra contar no outro dia". 

Essa minha tendência de ouvir conversa alheia ainda vai me custar caro, mas não resisti a essa solene advertência, a esse incômodo amigo, em busca de causos sinceros na hora de uma cerveja, durante o dominó. É quando a amiga exige mais veracidade nas mentiras que o amigo inventa pra passa\r o tempo. Isso é muito profundo. 

Toda mentira, mesmo sendo toda, não pode ser absoluta. Tem que ter, no mínimo, uma ponta de verdade, um fragmento de inspiração. Depois de fundamentar, siga com fé nas divagações. Mas, na hora que ouvi  o comentário de Dona "dona", fiquei preocupado com a frequência dos leitores por aqui caso eles descubram que, entre um texto e outro, alguma coisa aqui verbalizada nasce de um sonho, de uma pequena imaginação. 

Mesmo incomodado com isso, fui pra aula no Portal, falei sobre o pensamento Ocidental, sobre esses homens pendurados no tempo, e não larguei aquela sensação estranha, a pedrinha no sapato do pensamento. Em casa, na leseira do andar antes do sono, constatei que não, não é ruim mentir num texto. Aliás. não há mentiras. São histórias que brotam de alguma experiência que eu não tenho controle. Que acontece, mas não sinto fisicamente, que tá no mundo que, de olhos abertos, censuro, renego, podo com os mais afiados valores morais que a palavra mentira ousa me coibir. 

Por isso, amigos, continuem lendo e vejam, como num trailler, que cada texto é um sonho e que não há uma mentira absoluta. É apenas um tempero.