Já estamos acostumados
aqui em Recife. Seja em Março ou em fevereiro, o Carnaval nos anuncia o ano, de
fato, novo. O dia 31 de Dezembro é um tradicional ensaio do que virá pela
frente, com muita ponderação, amor, champanhes...Bom, nem todo mundo cumpre
esse script tão requintado de final de ano. Ensaiam, pra valer, o que vai ser a
tal festa à fantasia que lota a cidade. A tal inebriante festa da carne.
É natural creditar às
cinzas da folia a condição de um ritual de passagem. É como o espírito alemão,
retratado por Modris Eksteins em seu "A Sagração da primavera", às vésperas da I Guerra Mundial. Eram necessárias explosões e
mortes para que o geist alemão, que era uma demonstração de uma ruptura promotora da modernidade, pudesse vir á tona.
O recifense precisa de
um Carnaval para a vida vir à tona em um novo ano.
São necessários os
quatro dias ininterruptos, porêm não enfadonhos, de uma obrigatória felicidade,
uma constante e inabalável animação.
São dias em que é
possível vestir-se e ser o que se sonha, pensar o impensável, pagar o
impagável, falar o impronunciável.
Adora-se o sol como se
ele não queimasse. Há quem goste de caminhar nas sombras, pulando de camarote em
camarote, mas que não resiste ao povo todo, em um coro só, homenageando
eternamente Olinda no mágico Hino do Elefante. Haja garganta e coração pra
tanto canto.
As meninas e os rapazes,
que emprestam suas belezas ao mundo folião, alargam os passos quando
Vassourinhas – mesmo desafinado – arrasta o povo nas ruas apertadas da Cidade
Alta. É um levanta, defunto! tiro e
queda. Não há aglomeração que não exploda ao primeiro som.
São dias em que é
possível, e necessário, por em prática a sua criatividade. São dias em que,
simplesmente, se esquece. Passa-se da hora, rir-se das quedas ladeira abaixo,
compete-se em maratonas hilárias atrás do táxi e do ônibus no terminal do Cais
Santa Rita.
São dias em que se
perde o caminho de casa. São dias em que se resolve esquecer quem se é e mudar
o destino de tantos anos.
São dias em que se
cultivam melhores amizades com turistas que ficam anestesiados com tanta
alegria condensada e partem, na quarta-feira de cinzas, profundamente nostálgicos e tristes.
São dias em que se
apagam mágoas, antigos rancores e findam-se dores de um amor mal terminado.
Descobrem-se traições, sim, ninguém é perfeito. Mas também revelam-se lindas
paixões, atraentes romances e sólidas amizades.
São dias de lirismo,
amor ao Recife, estufar a camisa com a bandeira do estado de Pernambuco. São
dias de fundar um bloco, porque colocar um bloco na rua, aqui no Recife, é uma
forma de contar alguma coisa a alguém, seja lá qual for o assunto. Quem tem um
bloco já tem muita coisa na vida.
Não seria, de forma
alguma, exagerado acreditar que depois de todas essas possibilidades, nas
cinzas de todas as alegrias, o recifense olhasse para os fogos da apoteose
desta terça-feira, respirasse fundo e aliviado, e fosse tomado por uma certeza
renovadora, enxaguando a alma de alegria: agora, sim, 2013. Tu és um ano novo!