quarta-feira, 25 de março de 2009

Órfão de circo.

O riso das crianças que correm por esse mundo soa tão baixo quanto a presença de um bom palhaço num circo iluminado por entre nossas vidas. Desde que saí de São Lourenço, em 2005, que não escuto uma história referente a um bom circo, a um palhaço trapaceiro, um equilibrista fantástico. Tudo isso oriundo da cruel necessidade do mundo que nós acostumamos a chamar Realidade. Tanta correria, movimentações intensas e conversas aguadas dentro de ônibus, filas de bancos, do passe fácil - agora vem - matrícula de pré-vestibular que esquecemos a nossa natural alegria de ver o mundo. Nos falta o verdadeiro palhaço, nos falta o circo velho da infância.

Mesmo nesse corre-corre indeciso, que corremos sem saber pra onde, tem surgido um vento diferente a soprar nossos horizontes. Nos últimos dois anos visitei a dois festivais de circo: um, no treze de maio, e outro na torre Malakoff, Bairro do Recife. Mas há de se ver que é pouco em relação a nossa real necessidade de alegria. Que tipo de circo vem ao Recife e atrai os bons olhinhos dos órfãos da alegria circense?

No meu imaginário, um modelo de circo ideal era aquele que as lonas batiam com a força do vento, que o apresentador pigarreava ao gritar, freneticamente, “respeitável público” e os famosos vendedores de algodão doce, pipoca caramelada e balões coloridos se apertavam na saída do espetáculo. Eu sinto saudade desse tempo de circo, cujo espaço todos freqüentavam com a roupa que vestiam em casa. Hoje, o tipo de circo mais venerado é diferente desse que me lembra a terra natal.

Lembro muito bem que, quando o relógio batia 17h, rodava por toda a cidade uma Brasília azul, com alto-falante rouco anunciando estrondosamente:, “Atenção, Atenção! Logo mais, ás 19h, o Circo Alacazan”. E tocava uma musiquinha que me enchia de expectativa. Era um pan pan ran fantástico. Todos forçavam os ouvidos de casa enquanto a Brasília passava e depois juntávamos na rua uns aos outros e planejávamos milhões de coisas para a noite que demorava chegar. – Ah, eu quero ver a Bailarina. Ela dança muito bem.

- Eu quero vê o mágico puxar da cartola o que eu pedir na hora. Quero vê só se ele é tão bom como diz.

Li no jornal hoje cedo que o Cirque Du Soleil está chegando ao Recife. Circo com cara de cinema. As acrobacias e os números mágicos são, essencialmente, de outro mundo. É uma arte fantástica, porém nada acessível àquele garoto – que sou eu – lá de São Lourenço, que tem a imagem que todo circo é de lona furada, palhaço sem graça e bailarina entrevada. Sem falar no mágico peba e as enrolações do apresentador tentando apagar o erro dos personagens.

O valor, também noticiado no jornal, variava entre 200 e 400 reais. Muito caro, gritou Roseli, minha querida companheira e secretária do Lar, que também é de São Lourenço. A danada ainda fez questão de lembrar, depois que li em voz alta o texto, que bom mesmo era o Alacazan de São Lourenço. É verdade. Sabiamente lembrou Roseli. Muito embora hoje o estilo de Circo natural seja o Soleil, me corrói por dentro o saudosismo ufanista do meu circo, que não existe mais, e que só me deixou lembranças de uma infância recente e que se vai por entre as lembranças, foto, conversa. Lembrança que anda cansada e acelerada por essa vida louca e esquesita, repleta de correria e velocidade que nos leva a lugar nenhum, senão a um lugar onde reside a saudade do tempo que o riso era mais igênuo e não tinha preço. Lembrança que me faz perceber, todos os dias, que sou um órfão confesso do brilhante, velho e surrado circo Alacazan.

Sem mais, respeitável leitor.

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