terça-feira, 31 de julho de 2012

Cafezinho avec elegance.

Como já confessei por aqui, sou um amante do café. De passagem rápida pelo meu atlas virtual, mais conhecido como Google, vi que esse grão  nasceu pelas beiras da Etiópia, ficou famoso com os árabes, tomou conta como charme da Europa e foi introduzido, de forma avassaladora, na estruturas econômicas do   Brasil em fins do século XVIII. Entrou pelas fronteiras com as colônias francesas no Norte com o nosso país. No século XIX, já era produto central das rodas de negócios do Brasil Império, sacudindo o interior do Rio de Janeiro e São Paulo. Segundo alguns entendidos dos assuntos, o café fez do Brasil um grande negociador de produtos primários no mercado externo. Mas nada disso substitui esse poder agregador do café.

Um dos produtos mais consumidos no Brasil, o café tem essa tendência de unificar, de coagular gente em torno de uma conversa. Nada de estimulante. Se você beber um cafezinho sozinho, vai perceber que o sono vai tratá-lo com indiferença e irá domar suas ansiedades de estender leituras pela madrugada. Mas quando ingerido em companhia, atiça bons papos,  os assuntos decolam e as amizades se consolidam. 

As repartições públicas, espaços de sutis falsidades e uma chatice incontrolável, são obcecadas pelo cafezinho, É a hora do despertar do sono, da melhorar um assunto que não anda, aquela negociação travada, a pausa fundamental nos ânimos acirrados. Serve, também, para um lanche improvisado, durante um intervalo nas leituras de uma tarde de terça-feira. 

Ontem, durante uma reunião na Universidade, mesmo nesse vazio oriundo da greve, tive uma experiência orgulhosa por causa do café. A senhora que nos serve nas ajudas básicas - inclusive servir o café - me pegou comentando que não havia tomado o café da manhã e que o velho cafezinho cairia bem àquela hora. Como num estalo, ela saltou os olhos e disse: "oxe, aqui tem. Quer não? Vou fazer agora!" Como não sou de negar gentileza, disfarcei uma aceitação perguntando se não ia incomodar. E ela rebateu: que nada. Vou fazer agora. 

A reunião começou às 9h em ponto. Pauta na mesa, apresentações dos integrantes realizadas, temas propostos e debates iniciados, em menos de 20 minutos, quando o caldo engrossava na mesa, aparece "senhora", dirigindo uma bandeja linda, com café e água. Veio ela, atravessando a sala com um sonoro "Com lincençaaaa" e um largo sorriso no rosto. Desconfio que, no íntimo, ela sabia o bem que fazia, a pequena contribuição humanitária. Não que houvesse brigas e arengas daquelas típicas de reunião. Não. Mas o cansaço de uma reunião logo cedo, em plena segunda, e ela veio ali, confortar com um café, nos distrair de leve.

De início, fiquei donzelando, apenas observando a bandeja, arrodeando o café como um cachorro quando tá a fim de fazer coco. Mas depois perdi essa etiqueta, puxei o açúcar e fui degustar o danado. Depois, tudo caminhou, os assuntos decolaram, perderam o freio, a inteligência repousou nas ideias e as decisões foram tomadas bem. 

Fiquei imaginando que outras senhoras, principalmente aquelas que devem servir na reunião do Conselho de Paz da ONU, não trabalham com um sorriso, não embaraçam embaixadores com um "Com Licençaaaa". Também desconfio que esses cafezinhos com elegância exagerada morgam ainda mais a situação. Percebam que mesmo depois dessas reuniões a violência continua intacta, inviolável. Essas decisões devem ser tomadas como um café frio

Delicadeza e cafezinhos nos servem bem, aumentam os ânimos e engordam, engordam o bem-viver. 

segunda-feira, 30 de julho de 2012

O conforto da lembrança.

Depois que eu entrei na Universidade passei a ouvir muita gente comentar o que leu na juventude. Nos eventos acadêmicos, esses congressos da vida, o autor, geralmente para consolidar sua teoria, bota uma banca maior, ressalva, de forma muito nobre, suas primeiras leituras, sua alfabetização ideológica, aqueles poetas, filósofos, historiadores, romancistas que debulharam seu juízo aos poucos. Meu amigo João Pimenta, certa vez, entre uma cerveja e outra, se lembrava de Flaubert, Victor Hugo, que invadiram lentamente a vida dele aos 16 anos. Meu professor na Universidade, Antonio Paulo, também levitava nas lembranças de Calvino, Borges, Octávio Paz. Primeiras linhas, origens literárias, as portas do mundo sendo abertas. 

Como ainda estou na juventude, e já percebo esses cacoetes das idades avançadas, vou observando o que anda abrindo meu mundo, o que anda despertando meus olhos para o invisível. Além de Saramago, García Marques, Chico Buarque e  um pouco de Nietzsche, minha leitura fundamental hoje em dia é Samarone Lima, um simples jornalista e escritor cearense, mas que mora aqui, no nosso Recife. Samarone é tricolor, o que já aumenta minha simpatia.Escreveu cuidadosamente sobre a resistência aos regimes militares no Cone Sul, escreveu sobre Cuba e a respeito do cotidiano, da gente do Recife e do mundo. 

Um dia,  direi: quem eu li na juventude foi Samarone Lima. Justamente este poeta foi quem me deu o mote do texto de hoje. Em uma de suas publicações no Estuário, um blog que ele alimenta com lindos e suaves textos, achei uma frase brilhante perdida entra tantas outras. Não era do Samarone, mas me atiçou para a escrita de hoje. Citava o poeta uma amiga sua que, em algum momento, soltou a pérola: "memória é reconhecimento". 

Adotei-a como minha ideia de cabeceira, aquela que sempre antes de dormir consulto para a revisão de minha humanidade interna, para aperfeiçoar minha existência, uns cuidados políticos com a ética. Tratar de memória me é muito caro, até pelo curso que eu faço - História. É um dos exercícios mais profundos, reflexões das mais tensas debater o que seria a memória. Mas. hoje, tratá-la como reconhecimento é muito leve, simples, mas ao mesmo tempo ousado, completo, envolvente. Reconhecer alguém surge de um simples lembrar, um afago fraterno, um flerte da saudade com o carinho. 

Toda lembrança, ainda que ruim, tem seu conforto, a sensação de ter domínio sobre o espaço, de compreender onde pisa, a tranquilidade de "estar em casa". Lembrar traz reconhecimento. Por isso que, sempre que posso, quando lembro dos amigos, tento deixar isso claro, da forma mais prática possível. Sem arrodeios: uma mensagem no celular, um livro com uma dedicatória carinhosa, uma ligação em hora errada, um convite apelativo e carente para uma cerveja no meio da semana. Faço isso, porque simplesmente eu lembro, e se eu lembro é porque tenho cá comigo na memória um profundo reconhecimento, uma gratidão.

E o mais interessante, para encerrar esse disperso texto: toda segunda-feira tem uma ponta de saudade, principalmente daquilo que não existe.  


domingo, 29 de julho de 2012

Uma ode às rasteirinhas.

Ah, o domingo. Esse dia universal do descanso, da calma, da paciência. Dia de acordar um pouco mais tarde, mas também de acordar novamente cedo só para bater uma bola com os amigos, dar um banho divertido no cachorro. Ou simplesmente acordar cedo para ficar sabático na aurora. Levantar-se, olhar o mundo, coçar o cocuruto do papagaio, passear pertinho das plantas, conversar com o vizinho que acordou cedo pra fazer a mesma coisa. Acordar e comprar um pão quentinho, ler as matérias deliciosas do jornal de domingo, aquela que fala de história, de moda, de música, que fala dos assuntos do domingo. O domingo, esse dia da leveza. 

A leveza do domingo é que faz o pensamento correr solto. A segunda-feira só é ruim porque há uma ressaca dos pensamentos soltos do domingo.  Domingo, essa maior inspiração para o poeta. E foi um desses pensamentos soltos do domingo que me assaltou na crônica de hoje. 

Há quem comece o domingo pelo avesso. É aquela ou aquele que chegou embriagado de alguma formatura do sábado anterior e, por descuido, perdeu a sensação matinal do despertar do domingo. E hoje uma linda dama, com um longo vestido, atravessou minha visão embaralhando meu lento raciocínio de domingo. 

Ainda estava cheirosa, com o perfume despertando as rosas. Descabelada, como que amante do vento. Sorridente, como que generosa aos sórdidos rapazes. Mesmo bêbada, acertava os passos, equilibrava-se num salto 07 cm, uma ferramenta da estética feminna que a desmonsta de qualquer forma. 

Como todo domingueiro que sou, não gosto dessas imponências. Desses diminutos arroubos, que passam ao largo dos olhares masculinos também embevecidos com essa arrogância que se reveste de luxo. Não gosto dos saltos. Fico preocupado, um medo me toma quando vejo uma mulher passar de salto alto, principalmente os finos. Além da deselegância, há um clima de adrenalina, um desafio íntimo entre todas elas. 

Não, não gosto dos saltos. Prefiro as rasteirinhas. A rasteirinha é que nem o domingo: é leve, feito para um samba, para uma reunião de negócios, feito para o dia. para um caminhar. Mulher com sandálias rasteiras, assim como o domingo, é uma inspiração para o poeta, é uma sedução. As rasteirinhas preservam a liberdade feminina, aguçam aquilo que nós, homens, amamos nas mulheres: suas habilidades de gestos. Cuida da coluna, a mulher anda solta e leve, como o domingo. 

Ah, esse domingo, tão rasteirinho, tão feminino. Ah, o domingo....


sábado, 28 de julho de 2012

Bilhete guardanapo.

Agradeço sempre a quem devo e posso agradecer o brilhante jornal que me emprega; que oferece suas páginas para depositar minhas letras. Recebo um bom salário e, como não sou de muitos consumos, economizo o bastante para viajar. 

Tinha o sonho de não só conhecer outros lugares, mas como cobrir, livremente, a vida que há entre os mundos, seu cotidiano, seu despertar, seu povo com suas manias diárias. Também queria narrar a vida que deve existir entre as guerras. Não, calma. Não sou o típico jornalista bélico que não se contém quando ouve estourar um tiro. Gosto de sentir, como já disse, a vida que há entre os tiros. Ano passado, pude fazer isso. 

Foi numa sexta-feira, dia o4 de novembro de 2010. Recebi uma carta do diretor de redação do meu jornal me perguntando o que eu achava do mundo árabe. Falei que achava fantástico, ainda encoberto por uma nuvem densa de preconceitos, limitações, omissões e até falta de comunicação. Falei que, apesar de curioso, não me sentia apto para narrar um mundo que não me havia aparecido. 

Não adiantou minha modéstia. O diretor escreveu aquela carta muito mais por protocolo, porque a decisão já estava tomada: em breve, eu seria o segundo repórter, na história do jornal, a escrever de terras árabes para o Brasil. A intenção do diretor era, simplesmente,que eu exercitasse meu senso de observação e contasse as histórias que brotassem todos os dias. Arrumei as malas numa ansiedade. Já de casa, passando pelos aeroportos, o hotel, o táxi, cada espaço que eu passava tornava-se uma cenário em potencial para minha primeira reportagem, Faltava-me apenas o personagem. 

Foi aí que encontrei o bilhete escrito no guardanapo. Ele foi meu primeiro e meu segundo personagem nas duas primeiras matérias que consegui emplacar no Jornal. Confesso que minha ansiedade me fez atropelar os juízos, incomodei muita gente e, com meu complexo perfeccionismo, não me satisfazia com nada que escrevia. Passei noites em claro, me tornei um fumante compulsivo, aumentei dois graus nos olhos por causa das noites mal dormidas e permanente atenção voltada para o computador, perdi oportunidades de novos amigos. Foi uma dureza. 

Até que, numa quinta-feira, num fim de tarde na Síria, enquanto eu estava na fila do supermercado, uma reporter atônita, muito nervosa informava aos seus telespectadores sobre um bombardeio no interior do país. Instantaneamente, toda "a feira" silenciou. Homens, inconsoláveis, não tinham forças para segurar o maxilar; mulheres, nervosas,  choravam discretamente; crianças, desentendidas, sacudiam as mãos dos pais perguntando o por quê de tanto de fogo na TV. O medo se entranhou no mercado e o povo não se movia. A Guerra chegou outra vez.

Minha primeira reação aquilo tudo foi medrosa, obviamente. Mesmo sendo um leitor assíduo, estudioso da História, tão íntimo da Geografia da Guerra, era a primeira vez que a ameaça estava ali tão perto. Em seguida, achei que todos aqueles consumidores eram meus personagens e o anúncio da guerra, meu primeiro enredo. Mas eis que apareceu o bilhete guardanapo e alterou um pouco minha matéria. 

Ainda sem entender bem o que era aquela situação de gente morrendo a poucos metros, caminhei até uma lanchonete, tomei uma água, depois pedi um café e comecei a fazer minhas anotações. Minha primeira matéria seria uma narração de todas aquelas emoções; depois preencheria com as estatísticas que assombram os leitores da guerra: aqueles números que crescem assustadoramente, que comparam mortes com esperança, que insinuam política de paz...números, gráficos, a economia pragmática no furor de sua função. 

No meio disso, um rapaz na minha frente saiu, depois de uma longa estada na lanchonete, Saiu meio apressado, confuso, distráido com alguma tristeza íntima. Sem tempo para chamá-lo de volta, vi que ele deixou ficar na mesa um pequeno guardanapo que, de longe, percebi que tinha sido anotado. Não resisti e fui até lá para ler. 

Minha mãe, 
Espero que o correio tenha vida pra te levar este bilhete. Não tenho tido muito tempo para escrever cartas, porque são longas, Me sobram apenas estas curtas mensagens. A faculdade está parada, mas ainda continuo sonhando em ser professor de literatura. Soube ontem pela TV que bombardearam nossa cidade vizinha. Calma, mãe. Estou chegando e vou retirá-la daí, em paz, em vida, suave como a senhora sempre foi comigo, desde pequeno. Diga ao meu irmão mais novo que não tenho medo, que seja forte. Me responda neste endereço. Caso precise de dinheiro, me escreva da mesma forma. Arrumarei um jeito de bancar-lhe um socorro. O papel está no fim. Espero reencontrá-la em breve. Te amo. 

Assim que terminei de ler estas palavras, suei frio. Imaginei o que se passava na cabeça daquele rapaz, fiquei tentando sentir a dor dele, a saudade dele, a agonia de rever a mãe, voltar ao ninho dos irmãos. De viver em paz. Imaginei que ele quisesse tomar uma sopa mais quente, deitar numa cama macia, ler um bom livro de sua literatura preferida, ouvir uma música, conversar leseiras com vizinhos, jogar bola com os amigos, beijar a mãe com a certeza de que voltará a beijá-la. Fiquei a imaginar que, infelizmente, por descuido, algum soldado poderia assassinar aquele bilhete, no meio do caminho, e deixar a saudade desinformada dos dois.
No quarto do hotel, pensando tudo isso, percebi que era essa minha missão naquele lugar tão sem cor, tão sem vida. A minha missão era de paz durante aquela guerra: era contar a vida, narrar o brilho da vida entre os escombros, os estilhaços da sanidade humana. Era narrar que há beleza além da morte. Perceber a fulgás esperança na terra de quem tem medo constantamente.




quinta-feira, 26 de julho de 2012

O Fevereiro por trás de Agosto.

O problema quando chega agosto é a saudade que dá de fevereiro. A saudade daquele agarrado, da tinta no corpo, do porre misturado de cerveja com cana, de mijar nas paredes da cidade sem constrangimento. 

O problema é que em agosto a consciência se revolta e procura ensaiar, a qualquer sexta-feira mundana do meio do mês, um fevereiro qualquer, meia boca, um projeto de segundo mês do ano. A gente fuça a estante, procura um disco de Capiba, bota no MP3 e fica se contendo dentro do ônibus, frevando apenas as pontinhas dos dedos enquanto viaja uniformizado para o estágio. 

O problema de agosto é que toda sua semana ventilada demanda um calor de fevereiro, exala uma ânsia por beber com os amigos, de sentar numa mesa do bar e, naquela muvuca ébria, onde os amigos se confundem no amor, jurar que estar num Ceroula, num Eu acho é pouco, um Amantes de glória. 

O problema de agosto é que você passa o mês com o seu chefe comentando em casa que você anda muito distraído, simplesmente porque você fica à toa, ali pelas 14h, imaginando onde seria o bloco do dia, logo mais à noite. 

O problema de agosto é que, vez ou outra, você se toma como altruísta e passa a imaginar a dor ou a solidão de quem passará o próximo fevereiro longe do Recife por causa de um trabalho, congresso, por causa de um abestalhado pacote turístico ao Rio de Janeiro só porque sua cunhada foi pra lá em Setembro e adorou. 

O problema de agosto é que você resolve namorar, se entranha com alguém e descobre que, em fevereiro,serão 07 meses e aquela sensação de comemorar uma data importante justamente na época da euforia.

O problema de agosto é que, enquanto o autor deste blog tece estas leseiras, seus amigos estão por aí, em sala de aula, educando a mente dos futuros foliões; estão numa enfermaria, cuidando dos corações ansiosos por fevereiro; estão fardados da força militar, garantindo a paz e a sobrevivência do povo para a folia do ano que vem; estão garantindo a internet, para que a galera compartilhe fotos e sorria discretamente na frente do computador com uma foto nostálgica; estão por aí, ocupando-se, enquanto este aqui, por trás desta máquina, lamenta fevereiro estar tão longe. 

quarta-feira, 25 de julho de 2012

A História de olhos fechados.

Pequeno poema feito no despertar da tarde.



Certa feita, um professor pôs-se
A explicar, com todo cuidado,
Ao menino as Histórias do lugar.
Cenas de heroísmo, ideias a mais.
Homens de armas, que matam.
Homens de vida, que vivem.
Lembranças nas tranças embotadas
O menino quase não respirava
No acelerar dos contos.
Astúcias da mente que sente
A dor do tempo que passava.
Via as cores, as dores, odores
Mulheres que cuidavam dos filhos
Homens laboriosos a procura do
Descanso.
Daí o menino parou e inquietou-se:
 - como sabes, professor?
- Ora, respondeu o professor,
Estão nos livros, na atmosfera do tempo.
Pôs-se ereto, cada vez mais sério,
com a voz a empostar, contando,
histrionicamente, a história do lugar.
De repente, como que um aborto,
Como uma pausa abrupta, voltou
A perguntar ao menino:
 - Por que fechas teus olhos?
Respondeu o menino, diante de
tanta história: - pra poder, meu professor.
Imaginar.