segunda-feira, 30 de julho de 2012

O conforto da lembrança.

Depois que eu entrei na Universidade passei a ouvir muita gente comentar o que leu na juventude. Nos eventos acadêmicos, esses congressos da vida, o autor, geralmente para consolidar sua teoria, bota uma banca maior, ressalva, de forma muito nobre, suas primeiras leituras, sua alfabetização ideológica, aqueles poetas, filósofos, historiadores, romancistas que debulharam seu juízo aos poucos. Meu amigo João Pimenta, certa vez, entre uma cerveja e outra, se lembrava de Flaubert, Victor Hugo, que invadiram lentamente a vida dele aos 16 anos. Meu professor na Universidade, Antonio Paulo, também levitava nas lembranças de Calvino, Borges, Octávio Paz. Primeiras linhas, origens literárias, as portas do mundo sendo abertas. 

Como ainda estou na juventude, e já percebo esses cacoetes das idades avançadas, vou observando o que anda abrindo meu mundo, o que anda despertando meus olhos para o invisível. Além de Saramago, García Marques, Chico Buarque e  um pouco de Nietzsche, minha leitura fundamental hoje em dia é Samarone Lima, um simples jornalista e escritor cearense, mas que mora aqui, no nosso Recife. Samarone é tricolor, o que já aumenta minha simpatia.Escreveu cuidadosamente sobre a resistência aos regimes militares no Cone Sul, escreveu sobre Cuba e a respeito do cotidiano, da gente do Recife e do mundo. 

Um dia,  direi: quem eu li na juventude foi Samarone Lima. Justamente este poeta foi quem me deu o mote do texto de hoje. Em uma de suas publicações no Estuário, um blog que ele alimenta com lindos e suaves textos, achei uma frase brilhante perdida entra tantas outras. Não era do Samarone, mas me atiçou para a escrita de hoje. Citava o poeta uma amiga sua que, em algum momento, soltou a pérola: "memória é reconhecimento". 

Adotei-a como minha ideia de cabeceira, aquela que sempre antes de dormir consulto para a revisão de minha humanidade interna, para aperfeiçoar minha existência, uns cuidados políticos com a ética. Tratar de memória me é muito caro, até pelo curso que eu faço - História. É um dos exercícios mais profundos, reflexões das mais tensas debater o que seria a memória. Mas. hoje, tratá-la como reconhecimento é muito leve, simples, mas ao mesmo tempo ousado, completo, envolvente. Reconhecer alguém surge de um simples lembrar, um afago fraterno, um flerte da saudade com o carinho. 

Toda lembrança, ainda que ruim, tem seu conforto, a sensação de ter domínio sobre o espaço, de compreender onde pisa, a tranquilidade de "estar em casa". Lembrar traz reconhecimento. Por isso que, sempre que posso, quando lembro dos amigos, tento deixar isso claro, da forma mais prática possível. Sem arrodeios: uma mensagem no celular, um livro com uma dedicatória carinhosa, uma ligação em hora errada, um convite apelativo e carente para uma cerveja no meio da semana. Faço isso, porque simplesmente eu lembro, e se eu lembro é porque tenho cá comigo na memória um profundo reconhecimento, uma gratidão.

E o mais interessante, para encerrar esse disperso texto: toda segunda-feira tem uma ponta de saudade, principalmente daquilo que não existe.  


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