Desde pequeno gosto de
ter ao meu lado um pariceiro. É aquele sustenido, cúmplice, insistentemente
presente e mais amigo dos seus pais do que seu. É aquele que, de repente, numa
tarde cheia de leseira, meio nublada invade
sua casa, atiça os ânimos, reclama da falta de refrigerante ou cerveja na
geladeira e ainda tricota fofocas com o povo de sua casa sem se abalar com
nada: etiqueta, gesto, palavra. Sente-se numa extensão da casa dele.
Amizade foi uma coisa
que cresci valorizando. Ouvia meu pai, durante seus conselhos, me informar que
amigo de verdade são aqueles que a gente conta nos dedos. Confesso que, na hora
em que papai falava, desejei ter mais amigos do que dedos, que fossem
honestamente incontáveis. Mas a vida me ensinou a me contentar com os cinco
dedos e razoáveis amigos inestimáveis, valiosos, orgulhosos que tenho junto
comigo.
Além de tantas paixões
que carrego, como escrever histórias, jogar futebol, tocar músicas bonitas ao
violão e amar uma mulher linda, eu tenho cá comigo uma tendência realmente íntima de garimpar amigos. Não
consigo olhar o ser humano com o desprezo do coleguismo. Já me aproximo com as
segundas intenções da amizade, que deveriam ser sempre as primeiras no
relacionamento humano, seja ele uma pinga em Salgueiro ou um cafezinho durante
reunião da ONU. Garimpo amizade, gosto de ir no cuvico dos sentimentos humanos.
Chamar alguém de amigo é muito gostoso.
Aprendi também durante
toda essa garimpagem que infelizmente pouco ouro serve depois da extração. Aqui
e acolá aparece um bendito ou uma bendita que teima em querer ser seu ex-amigo.
Esse cargo eu luto para nunca ocupar na vida dos meus amigos e torço
profundamente para que eles nunca se sintam assim, como uma ex no meu caminho.
Adormeça, peça um tempo, reflita em outro espaço, fique em silencio, mas não
suma. Fique perto, sorria, chore, mas não despenque da minha vida como se ela
fosse um penhasco, uma descida sem volta. Digo isso porque já experimentei o sabor
do perdão dos dois lados e que uma das coisas mais cativantes dentro das
amizades é o poder da diferença se submeter ao amor.
E mais gostoso ainda é
o sabor de amizade recente, daquela que você observa, convive e quando chega em
casa, depois de uma farra, logo após o banho, na hora que veste a samba-canção
e puxa o lençol pra deitar, você discursa em voz volta: “que cara da porra” “que
mulé do veneno”. E dorme com aquele orgulho, com a alma lavada de ter ao seu
lado, jogando no seu mesmo time, alguém brilhante na humanidade.
Acho também que
amizade, quando está se construindo, não se permite muita intimidade. Tem seus
protocolos de validade. Mas o arremate final da confiança é aquela visita a
casa dos pais de um amigo distante. É receber a figura dentro de sua casa,
mostrar seus espaços, seus livros, mostrar suas músicas, preparar pra ele ou
ela seu café, mostrar que a descarga tem defeito, que o único espelho de corpo
todo fica no quarto, que o controle só funciona se mexer na pilha, que os copos
ficam do lado da geladeira, que você aconchega-se ao lado dele no tapete,
pertinho dos cds, para facilitar a troca dos discos no momento em que se ouve uma
canção nostálgica dos dois, que sua casa não tem quarto de hóspede e o que
sobra é um colchão fininho, e ele dorme como se fosse uma suíte presidencial,
que a sua mãe prepara um banquete mais pensando nele do que em você, que sua
mãe o intima a ajudar na arrumação da casa e que seu cachorro já balança incontrolavelmente
o rabo pra ele. São coisas que só amigo vive e proporciona.
Isso tudo me emociona.
Essas pequenas coisas especificas de um cargo só na vida do homem e da mulher:
ser amigo. São pequenos rituais com seus singelos gestos que melhoram o humor,
o “estar na vida” nesse mundo tão trôpego, frágil, dinamitado em suas relações.
São pequenas contribuições que um ser humano oferece ao outro: sua preocupação,
seu sentimento. É por isso que eu digo sempre que vivo pela amizade, pela sua
sustentação, pela sua fidelidade.
Aos amigos, de sempre.
isso mesmo Afonsinho, belas verdades, bela otica.
ResponderExcluir