quarta-feira, 27 de junho de 2012

Aos amigos.


Desde pequeno gosto de ter ao meu lado um pariceiro. É aquele sustenido, cúmplice, insistentemente presente e mais amigo dos seus pais do que seu. É aquele que, de repente, numa tarde cheia de leseira, meio nublada  invade sua casa, atiça os ânimos, reclama da falta de refrigerante ou cerveja na geladeira e ainda tricota fofocas com o povo de sua casa sem se abalar com nada: etiqueta, gesto, palavra. Sente-se numa extensão da casa dele.

Amizade foi uma coisa que cresci valorizando. Ouvia meu pai, durante seus conselhos, me informar que amigo de verdade são aqueles que a gente conta nos dedos. Confesso que, na hora em que papai falava, desejei ter mais amigos do que dedos, que fossem honestamente incontáveis. Mas a vida me ensinou a me contentar com os cinco dedos e razoáveis amigos inestimáveis, valiosos, orgulhosos que tenho junto comigo.
Além de tantas paixões que carrego, como escrever histórias, jogar futebol, tocar músicas bonitas ao violão e amar uma mulher linda, eu tenho cá comigo uma tendência  realmente íntima de garimpar amigos. Não consigo olhar o ser humano com o desprezo do coleguismo. Já me aproximo com as segundas intenções da amizade, que deveriam ser sempre as primeiras no relacionamento humano, seja ele uma pinga em Salgueiro ou um cafezinho durante reunião da ONU. Garimpo amizade, gosto de ir no cuvico dos sentimentos humanos. Chamar alguém de amigo é muito gostoso.

Aprendi também durante toda essa garimpagem que infelizmente pouco ouro serve depois da extração. Aqui e acolá aparece um bendito ou uma bendita que teima em querer ser seu ex-amigo. Esse cargo eu luto para nunca ocupar na vida dos meus amigos e torço profundamente para que eles nunca se sintam assim, como uma ex no meu caminho. Adormeça, peça um tempo, reflita em outro espaço, fique em silencio, mas não suma. Fique perto, sorria, chore, mas não despenque da minha vida como se ela fosse um penhasco, uma descida sem volta. Digo isso porque já experimentei o sabor do perdão dos dois lados e que uma das coisas mais cativantes dentro das amizades é o poder da diferença se submeter ao amor.

E mais gostoso ainda é o sabor de amizade recente, daquela que você observa, convive e quando chega em casa, depois de uma farra, logo após o banho, na hora que veste a samba-canção e puxa o lençol pra deitar, você discursa em voz volta: “que cara da porra” “que mulé do veneno”. E dorme com aquele orgulho, com a alma lavada de ter ao seu lado, jogando no seu mesmo time, alguém brilhante na humanidade.

Acho também que amizade, quando está se construindo, não se permite muita intimidade. Tem seus protocolos de validade. Mas o arremate final da confiança é aquela visita a casa dos pais de um amigo distante. É receber a figura dentro de sua casa, mostrar seus espaços, seus livros, mostrar suas músicas, preparar pra ele ou ela seu café, mostrar que a descarga tem defeito, que o único espelho de corpo todo fica no quarto, que o controle só funciona se mexer na pilha, que os copos ficam do lado da geladeira, que você aconchega-se ao lado dele no tapete, pertinho dos cds, para facilitar a troca dos discos no momento em que se ouve uma canção nostálgica dos dois, que sua casa não tem quarto de hóspede e o que sobra é um colchão fininho, e ele dorme como se fosse uma suíte presidencial, que a sua mãe prepara um banquete mais pensando nele do que em você, que sua mãe o intima a ajudar na arrumação da casa e que seu cachorro já balança incontrolavelmente o rabo pra ele. São coisas que só amigo vive e proporciona.

Isso tudo me emociona. Essas pequenas coisas especificas de um cargo só na vida do homem e da mulher: ser amigo. São pequenos rituais com seus singelos gestos que melhoram o humor, o “estar na vida” nesse mundo tão trôpego, frágil, dinamitado em suas relações. São pequenas contribuições que um ser humano oferece ao outro: sua preocupação, seu sentimento. É por isso que eu digo sempre que vivo pela amizade, pela sua sustentação, pela sua fidelidade.
Aos amigos, de sempre.


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