quarta-feira, 20 de junho de 2012

Quem diria...

Quando sua própria vida resolve expor esse leve comentário, repense sua vida com sua vida. Aconteceu comigo esses dias, quando mais uma vez rompia uma esquina na minha vida. E lá estava a santa, paradinha, de vestido, sutiã da moda, sandália rasteira - do tipo que eu gosto - e, sorrindo, disse: "Quem diria".

Parece louco, mas é isso mesmo. De garra com a consciência, a vida zomba de suas escolhas. Outro dia, resolvi ser poeta. Troquei minhas roupas, pus um óculos novo, tracei biografias de badalados e bons poetas de outros tempos, montei um blog e passei a escrever poesia. Mas esqueci de uma coisa: de ser poeta, sentir poeta.

Caminhava crente de que era um poeta. Carregava um bloquinho comigo, sempre tinha um bom verbo a recitar, lembrava de cor versos de Vinícius, Leminski, Pessoa, um pouquinho de Shakespeare porque muito soa piegas, tilintava risonho trechos de bons cronistas para me aparentar mais aberto, despojado das métricas e atento ao mundo real da cidade. Mas esqueci de me registrar como poeta, de ser poeta, de escrever poeta.

Transgressão era seu primeiro nome. Andava com as putas, agarrado mesmo, ao ponto de confundir o perfume com o cheiro de sexo. Agasalhava-se com os bêbados durante a noite da chuva. Ria de si mesmo depois que fumava maconha, com os pés soltos, a mente lerda e longe e o coração acelerado com o efeito da erva. Anotava tudo que subtraía da lombra, das putas, do álcool. Sentia-se um revolucionário. Parecia um renascimento de Baudelaire dentro do Recife. Mas faltou uma coisa, como sempre faltava: o poeta, o ser poeta, gritar poeta, amar poeta.

Só fantasia não adianta, não adiantava e não adiantará. Quando escrevi esta última frase, a vida, aquela que falei desde o início, reapareceu, meio sorrateira e, como quem descobre um invento,  disse, mais uma vez,  toda histriônica: "Quem diria". Quem diria que a maquiagem ia borrar e o poeta ia se revelar um analfabeto da alma. Assim, morreram os livros, morreram as ideias, a desejada fama e seu principal personagem. Se tem algum elemento da obra desse poeta inexistente que merece algum reconhecimento, vale lembrar sua falsa ideia de ser o que não é. Quem diria...

Um comentário:

  1. Sem querer, o "quem diria" me lembrou isso...
    Quem diria!

    http://www.youtube.com/watch?v=6yJW-IIwSAY

    ResponderExcluir