terça-feira, 10 de novembro de 2009

À Luz de velas.

De repente as luzes se apagaram aqui em casa. É engraçado como a escuridão toma seu lugar na ausência do claro. Ela senta, se esparrama e estende os pés. Causa medo, apreensões. Recusas. Traz consigo o silêncio natural de todo barulho. Busca de nós um pouco do nosso máximo. Nos abre os olhos pra coisas que deixamos passar a distância por achar natural demais, normal pro nosso dia.

Roseli encontrou três restos de velas e colocou duas na sala e uma na cozinha. Riscou os fósforos gritando "Quer jantar, Afonso?" E eu respondi que sim. Com a sopa à mesa, disse a ela que velas, pingos e velas sobre os copos me lembravam o dia de finados. Certa vez, em 2006, a madrinha de Roseli morreu e, pela nossa proximidade, fui dá uma força à família. Passei o dia inteiro no cemitério, ajudando nas coisas mínimas, acolhendo um choro amigo, matando a saudade de outros e, no final, recolhi os entulhos, as velas, o cotocos de vela. Aquele dia marcou muito a minha vida.

Assim que terminei o jantar, sentei na sala com duas velas. Abri um livro de Sebastião Nery, sua biografia. As cinco primeiras páginas muito bem escritas, engolidas por sentimentos nostálgicos e arrebatados por uma imensa sutileza da observação sobre a própria vida. Alguns dizem que ele é um Brás Cubas sem as memórias póstumas, e sim com memórias bem lúcidas e vivas, para nos embarcar num embalo recheado de pureza, análise crítica e bem cuidada.

Não havia uma luz forte, mas sim a luz poética de duas velas. As letras ganharam cores diferentes, o livro mudou de fisionomia: envelheceu num amarelo-estante. Escondia-me nas minhas próprias sombras, sem saber se o que me agravada era um despretensioso saudosismo romântico da Era das Velas ou a pura mágica sentimentalista e questionadora da realidade de uma parcela do povo brasileiro que, na era da Informação da Tecnologia, sobrevive à luz de vela.

Na frágil cor que dava ao escuro, a vela engordava e depois emagrecia as palavras naquela página nova. O livro se tornava uma poesia sem sua essência, apenas o rosto, ou o significado. Lembrei também dos jantares. Aos apaixonados, as velas marcavam o requinte, o romantismo. Na mesado Natal era, simplesmente, uma representação alegórica, uma referência Histórica. Um natural adorno.

O final, de fato, foi um texto que repousou exatamente cinco minutos num feixe turvo da vela. Ficou naquele quentinho. As páginas colando sobre a mesa, a caneta refratando a beleza brilhante da luz da vela. Até que, depois dos cinco minutos, veio-se o claro, mais instantâneo que o escuro, e tomou seu lugar sobre esse texto. Assumindo sua função, a Luz Elétrica deu vida às minhas palavras, que agora repousam nos olhos, descansando no sentimento do coração.

3 comentários:

  1. engraçado que a escuridão tbm me inspirou, e eu começei a escrever depois que as luzes voltaram!
    É engraçado ver as coisas por outras perspectivas tbm. de repente, tudo muda... por incrivel que pareça, as luzes escondem certas coisas que às vezes só são perceptíveis na ausência delas.

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  2. Quem é ela? - pergunta o dono do blog. Será a escuridão? A inspiração do autor do texto?

    Quem será?

    Um sete-belo pra quem contar!!!

    Afonso.

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  3. É incrível como tu consegue dar um ar poético a qualquer acontecimento! Adoro teus textos, passaria horas lendo. :*

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