quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Como se fosse fevereiro.

A banda no meio do percurso atacou de “Deixa o frevo rolar, eu só quero saber...” e todos foram aos gritos, naquele empurra – empurra natural do carnaval. Eu estava fantasiado de Bobo da corte e me infiltrei na alegria do Recife para espantar o banzo do fim do casamento. Muita cerveja, muita dor de cotovelo, conversas afogadas e nada de a dor passar. Ela apenas despertava mais tarde no outro dia por causa da ressaca.

Na terça-feira de carnaval, bem dizer o último dia da folia de momo no Recife, eu acordei com uma tremenda dor de cabeça. O despertador apitava alto, minha vista embaçada se perdia sem os óculos. Quanto mais eu me esticava para desligar o som irritante, mais tensa era dor na cabeça. Consegui abrir a vista em frente ao espelho e vi que em meu rosto estava a marca de que eu havia me rendido às dores da solidão. Tomei um café forte e fui me certificar se hoje alguém iria pular carnaval na cidade.

O João estava viajando. A Neide, secretária da empresa, resolveu brincar em Olinda durante o dia e provavelmente vai chegar entregue no final da tarde. Marcelo e a esposa vão brincar, mas estão felizes com o casório, eu não iria estragar uma lua de mel tão alegre. Até porque o casamento que supera o carnaval está fadado ao “felizes para sempre”. Sorri em frente ao espelho e vi que minha sagacidade estava um pouco além do normal. Tudo que fosse em relação ao casamento, eu destilava um veneno raivoso.

O tempo passou e as orquestras, algumas pequenas, outras irritantes, já afinavam o tom na Avenida. Abri a janela da varanda que dava para o Recife Antigo e, de longe, observava o folião chegando ao Recife, se apertando na Guararapes e se entregando ao passo nas ruas antigas do Bairro do Recife. Tinha um José de bermuda que se encantava com a festa. O Mário, que é aposentado, gastando o dinheiro da aposentadoria como vingança da empresa. A Janete, a empregada doméstica de Boa Viagem, enchia a cara de cachaça como se afogasse a alienação do trabalho e a exaustão do serviço que lhe consumia. As três virgens moças estreavam a liberdade no carnaval do Recife e pulavam de mãos dadas atraindo olhares dos homens que passavam como se fossem grandes vedetes. E eu da varanda, no décimo andar, guardando a dor do fim podendo fazer um recomeço.

Vesti uma camisa, pus uma bermuda como o José, peguei um dinheiro igual ao que o Mário gastava e saí alegre como a Janete, embevecido como as três virgens moças. Parti como se aquilo fosse novidade. O vento do Recife batia no meu focinho, como se espantasse a solidão, enquanto eu atravessava a ponte Maurício de Nassau. A Mauricéia Desvairada estava sorridente com suas fantasias, as pontes vestidas de um colorido marcante e o povo coberto de euforia como um anfitrião se embeleza ao visitante. No meio da rua do Bom Jesus, a orquestra atacou de “Deixa o frevo rolar, eu só quero saber...” e eu enlouqueci. Pulei, dancei e deixei de lado os dedinhos e abri a dobradiça no meio multidão como se a rua fosse o meu palco. E fui junto com o povo, marcando a cadência do frevo no arrastado do chinelo. Era Vassourinhas, Hino do Elefante, Madeira do Rosarinho. Cantava todos os frevos como se fosse a música dos meus sonhos, da minha vida.

As ruas iam passando, o bloco me arrastava e eu ia me encantando. Não tinha medo de me perder porque sou como o poeta já dizia: "Recife - cidade que reconheço somente passando as mãos pelas paredes." Assim, fui tateando os bares, as ruas, o povo.

Na minha frente, uma moça fotografava o bloco como se fosse o último e como a terça fosse acabar ali, naquele instante. Mas sua alegria era tanta que contagiou a todos. Cada clique era uma festa. Depois ela parou, guardou a máquina e ficou na minha frente pulando freneticamente ao som do frevo. De repente, a orquestra atacou de “Olha que eu conheço essa cara...” e todos se apertaram na curva com a Praça do Arsenal.

Ela ficou bem na minha frente. Vez ou outra me olhava, me sorria e se desculpava dos pisões. Eu nem desculpava, agradecia. Diante daquela beleza me deitaria como se fosse um pano de chão ou uma asfaltada avenida, pra que ela pudesse frevar. O cheiro do cabelo dela me encantava e assim eu ia até as estrelas de felicidade. O carnaval era radiante.

Quando estávamos fazendo a segunda volta na Praça do Arsenal, comecei a conversar com ela me utilizando da letra da canção. “Vem comigo e toma a chave do meu coração, porque eu já entrei no clima. Deixa eu sair no teu bloco, me abraça e me beija, me faça feliz”. Nesse meio termo de cantadas e frases plagiadas, a orquestra aumentou o som falando do sol, da praça, do amor, da saudade e eu não resisti e dei-lhe um forte abraço. Ela segurou na minha mão, me sorriu e continuou cantando frevo. Apressei meu passo para seguir junto ao seu corpo como se fosse namorado. No final do bloco, a beijei como se fosse amante, com uma alegria como se fosse fevereiro.

Sentamos no marco zero e o vento balançava seus cabelos. Fazia um frio como se fosse agosto. Continuei beijando-a intensamente, esquentando seu corpo no meu. O dia foi nascendo e o sol nos clareando como se fossemos artistas e o marco zero um grande palco. Com o dia já de pé, fomos dormir como se fossemos casados e acordamos como se tivesse esquecido que a dor da separação havia doído. O frevo nos trouxe para o grande amor.

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