quinta-feira, 5 de abril de 2012
Uma maratona de nostalgia.
domingo, 1 de abril de 2012
A História aos meus olhos e a cidade concreta.

(Esse texto foi retirado de outro blog chamado Mauriceia Desvairada. Como não uso mais esse blog, e sim este aqui, tive copiar e colar. O resultado foi essa coisa estranha. Mas relaxem. Os próximos serão mais legíveis e sóbrios. Ele foi feito em Janeiro de 2011, logo depois da posse de Dilma Roussef. )
Desde que entrei na faculdade de História estreitei minhas conversas com Alberto Lima, um jornalista grande amigo de meu pai e que agora concede parte de seu tempo em reflexões sobre a vida via e-mail comigo. Ele é um cara muito bacana, atencioso, gosta de dar carinho, de entusiasmar o amigo, é crítico quando preciso, infelizmente torce pelo Náutico, mas, em contrapartida, é casado com Carol, uma brasiliense arretada, gente fina, mãe exemplar do João e do Pedro, que tem um faro fino pra coisas boas dessa vida.
Entre um e-mail e outro, Alberto soltou a possibilidade de uma visita a Brasília. E lá fui eu, pela primeira vez viajando num TAM que balançou mais que o balança mas não cai dos Aflitos em dia de clássico das emoções. Ao chegar ao aeroporto JK, cheirei aquele clima de Brasília pra renovar o pulmão, estiquei os braços e as pernas e fui expresso dá uma fuçada na cidade antes de encontrar com Alberto e Carol. Em segredo, queria mesmo adentrar em Brasília e ver como funcionava o centro do poder do meu país.
Acabei descobrindo outras belezas e outras faces de Brasília. A princípio, me assustei um pouco. Fui motivado pela posse e caía uma chuva desagradável. Ela poderia afogar os meus planos de ver a Dilma enrolada na faixa verde e amarela. O taxista que me encaminhou nas longas avenidas do DF apontou o seu termômetro social para a posse e alfinetou: “Pelo jeito, ela não vai desfilar em carro aberto”, disse o motorista um tanto silencioso, que só respondia o necessário. E era somente o necessário que se ouvia até então. O táxi, o jornaleiro, o rapaz do hotel, meu vizinho de quarto falavam apenas o essencial.
Cheguei ao Hotel às 10h do dia 31. Me organizei e abri a varanda que dava para o Congresso Federal. Linda paisagem. Um verde liso contrastava com o concreto dos altos prédios do plano piloto. Passei rapidamente num shopping e vi o quanto rigorosos com o trânsito eles são. Os carros passavam a 100km/h e o pedestre, pacientemente, espera o sinal fechar, e sempre na faixa. Na fila do restaurante do shopping percebi que as mulheres têm o mesmo tom de voz: algo aberto, efusivo e engraçado. Mas era lindo o tom da voz.
Essa dureza Brasiliense é histórica. Em cinco décadas de existência, o DF é habitado por muita gente de fora. Não há aquele bairrismo, um apego fraterno como nós temos com o Recife. Apesar de andar bastante para tirar fotos da noite do Réveillon, meu objetivo máximo era o dia primeiro, a posse da primeira mulher presidente. No dia 31, não me prolonguei nos assuntos etílicos e me guardei para agüentar o rojão do dia seguinte. Rolou um baita festão na casa dos pais da Carol. Preferi o descanso e encontrá-los no outro dia, na posse.
O tempo me deu um drible daqueles. Me acordou com chuva e, no meio do caminho, me deu um abraço caloroso. Um sol repentino apareceu e me queimou todo enquanto registrava a diversidade de gente que chegava à Esplanada dos Ministérios, para ver Dilma empossada. Foi lindo aquele vermelhidão petista. Cada um com sua bandeira, boné, camisa, mas, sobretudo, todos carregavam uma esperança.
Já próximo do Congresso, a organização do evento promoveu um encontro de culturas, uma coisa linda. Cinco tendas representando as regiões brasileiras. Uma comunhão de expressões artísticas deslumbrante. Mais adiante um pouco, quando meu relógio marcava 14h, eu já estava sentadinho nas rampas do Congresso esperando Dilma no Rolls Royceth. O sol me torrava, mas eu desconfiava da chuva. Olhava assim para o horizonte e via aquelas nuvens pretas se aproximando. O Rádio me avisou categórico: “Dilma sai da Granja do torto e vem desfilando em carro fechado em virtude das fortes chuvas em Brasília”.Era só o que me faltava, e não faltou. Tomei um baita banho e, na descida do Congresso, não vi o xauzinho da presidenta. Não desisti.
Peguei a tangente do Congresso e caí na praça dos três poderes. A chuva deu uma trégua, mas ficou intimidando o sol. Ficou aquele mormaço tabacudo, que nem esfria e nem esquenta. Mas a cerimônia ficou mais confortável. Tinha um telão na praça. Deu pra ver e ouvir o primeiro discurso de Dilma como Presidente da República Federativa do Brasil. “Erradicar a miséria, proteger os mais frágeis e desenvolver o Brasil”. Boa essa parte, mas melhor ainda foi quando ela engasgou e chorou lembrando-se de seus companheiros que tombaram na Guerrilha porque tinham um sonho para o Brasil. Ponto para Dilma e muita emoção pra mim. Somente nessa parte ela ganhou o mandato. Teremos uma governante de sonhos, e não só de metas.
Embora técnico e demorado, Dilma fez um discurso razoável. Mais instigante ainda foram os atos em silêncio. O Alberto lembrou bem a cena mais interessante do dia, quando ela saiu do Congresso e o representante das forças armadas prestou continência à Dilminha. Me emocionei todo quando Alberto me lembrou, daquele jeito dele, cuidadoso com as palavras. Aquela cena me marcou de forma indescritível. Imaginem: é uma ex-guerrilheira, que foi estupidamente torturada pelos militares nos anos 60 e 70, reconhecida como a maior autoridade do país pelos mesmos fardados que a atormentaram no passado. A memória histórica é fenomenal. Naquele momento eu tive a sensação de que a História estava aos meus olhos e me emocionei verdadeiramente. Em poucas palavras, foi lindo.
À noitinha, mesmo cansado, fui à casa de um casal pernambucano que é super amigo do Alberto e da Carol, que são duas pessoas sensacionais. Ao chegar lá, uma conversa bem pernambucana misturada com Brasília. Pessoas legais, conversas fluentes. As histórias longas e interessantes do Alberto, a atenção, preocupação e paixão da Carol em nos inserir no contexto de Brasília, os palpites dos amigos deles sobre política, economia em dia de posse, um macarrão com carne moída que achei maravilhoso e, por fim, um sono arrebatador sobre os livros do Chico Buarque – presentes da viagem – depois de um dia histórico, em todos os momentos.
E Brasília é linda, basta conhecê-la mais pacientemente. Ela guarda com carinho seu povo, acolhe em silêncio. Na minha mente, Brasília é um lugar amigo, de paz, suave, mas que pouco se sabe Brasil afora. Foi muito bom estar lá, nesse momento tão importante para História do Brasil. Não podia ficar em silêncio diante da beleza e do carinho.
Para Alberto e Carol, João e Pedro, amigos que me acolheram carinhosamente em Brasília.
Quando aquela a música é foda.

A vida é feita de uma forma não muito linear. As curvas servem de alerta. É um sinal multicolorido repleto de avisos inesperados. Há alguns anos eu era um degustador perfeito de música. Confesso que havia também uma intransigência quanto à qualidade. Desaprovava qualquer manifestação brega, desses novos; funk, desses safados; e ardia em defender a clássica MPB, os nomes do rock e os velhos malandros do samba. Preservava suas falhas como se fosse a maior marca de heroísmo. Conservava como meus amigos.
Lembro, como se fosse hoje, há seis anos, naqueles idos de 2006, quando eu era oitava série e descobri o MP3. Não tinha tempo para outra coisa senão o velho fone de ouvido. Como eu não tinha um pra chamar de meu, mendigava dos amigos e, juntos, naquela efervescência de transformar o velho em novo, compartilhávamos o som. Emaranhávamos uns nos outros, no auge dos hormônios. Descobríamos frases lindas, poemas profundos e artistas dos bons.
Quando Cazuza, um típico nome da Música Brasileira que encontra abrigo fácil na rebeldia da adolescência, entrou no meu MP3, também invadiu minha vida e dos meus amigos. Era lindo como, depois do filme exibido na Globo, cantávamos suas músicas como Hino de nossa vontade, com punhos fechados, caras enrugadas e braços erguidos. O mundo muda a partir da vontade, e a música que embala esse sentimento é uma bela trilha sonora. A vida se transforma numa sétima arte.
Elis Regina foi uma invasão bárbara radical na minha vida. Meus amigos também a deixaram invadir suas almas, como se ela fosse a dona, revirando cada ferida, apertando cada fogo ardente de transformação. A cada audição de Como nossos pais, era como se fosse um velho manual de como não ser, a velha sensação de não repetir o passado e a música sempre ao nosso lado, como fiel escudeira. Rita Lee, Beatles, Mutantes, Tim Maia, Pink Floyd. Haja MP3 para tanta overdose de transgressão.
As músicas embalam rótulos, que não são descartáveis, apesar de efêmeros. O passageiro tem sua importância, tem seu significado. O mundo não é feito exclusivamente de permanências. As mudanças servem para nos mostrar o quanto foi importante aquilo que deixamos de ser para o que somos hoje, num espécie de soma. Mudam-se as roupas, mudam-se as frequências.
Foi quando entrou Nelson Cavaquinho e eu já havia deixado de lado o MP3 e o fone de ouvido. Havia uma melancolia, era um conformismo não muito conformado de si. Noel Rosa foi educado, tranquilo, reflexivo. Quase se tornou o tema na minha monografia do curso de História. Mas ponderei. Talvez as minhas cervejas com os amigos não fossem mais agradáveis depois que o samba tivesse se tornado objeto de pesquisa. Deixaria de ser Samba para ser Academia.
A maturidade não é amiga da música. O silencio é a trilha predileta de quem envelhece. Uma pena que a juventude, ainda incompleta, deixe seus pedaços nessas esquinas. O vazio da nostalgia é fruto da escolha. Há um cardápio para construir os passos do futuro. Simplesmente, espero que lá na frente, junto de tantos amigos amados, haja mais som, mais cores, mais mudanças e permanências. Haja mais vida. Que haja aquela música pra chamar de foda.
Travessias.
