domingo, 1 de abril de 2012

Quando aquela a música é foda.


A vida é feita de uma forma não muito linear. As curvas servem de alerta. É um sinal multicolorido repleto de avisos inesperados. Há alguns anos eu era um degustador perfeito de música. Confesso que havia também uma intransigência quanto à qualidade. Desaprovava qualquer manifestação brega, desses novos; funk, desses safados; e ardia em defender a clássica MPB, os nomes do rock e os velhos malandros do samba. Preservava suas falhas como se fosse a maior marca de heroísmo. Conservava como meus amigos.

Lembro, como se fosse hoje, há seis anos, naqueles idos de 2006, quando eu era oitava série e descobri o MP3. Não tinha tempo para outra coisa senão o velho fone de ouvido. Como eu não tinha um pra chamar de meu, mendigava dos amigos e, juntos, naquela efervescência de transformar o velho em novo, compartilhávamos o som. Emaranhávamos uns nos outros, no auge dos hormônios. Descobríamos frases lindas, poemas profundos e artistas dos bons.

Quando Cazuza, um típico nome da Música Brasileira que encontra abrigo fácil na rebeldia da adolescência, entrou no meu MP3, também invadiu minha vida e dos meus amigos. Era lindo como, depois do filme exibido na Globo, cantávamos suas músicas como Hino de nossa vontade, com punhos fechados, caras enrugadas e braços erguidos. O mundo muda a partir da vontade, e a música que embala esse sentimento é uma bela trilha sonora. A vida se transforma numa sétima arte.

Elis Regina foi uma invasão bárbara radical na minha vida. Meus amigos também a deixaram invadir suas almas, como se ela fosse a dona, revirando cada ferida, apertando cada fogo ardente de transformação. A cada audição de Como nossos pais, era como se fosse um velho manual de como não ser, a velha sensação de não repetir o passado e a música sempre ao nosso lado, como fiel escudeira. Rita Lee, Beatles, Mutantes, Tim Maia, Pink Floyd. Haja MP3 para tanta overdose de transgressão.

As músicas embalam rótulos, que não são descartáveis, apesar de efêmeros. O passageiro tem sua importância, tem seu significado. O mundo não é feito exclusivamente de permanências. As mudanças servem para nos mostrar o quanto foi importante aquilo que deixamos de ser para o que somos hoje, num espécie de soma. Mudam-se as roupas, mudam-se as frequências.

Foi quando entrou Nelson Cavaquinho e eu já havia deixado de lado o MP3 e o fone de ouvido. Havia uma melancolia, era um conformismo não muito conformado de si. Noel Rosa foi educado, tranquilo, reflexivo. Quase se tornou o tema na minha monografia do curso de História. Mas ponderei. Talvez as minhas cervejas com os amigos não fossem mais agradáveis depois que o samba tivesse se tornado objeto de pesquisa. Deixaria de ser Samba para ser Academia.

A maturidade não é amiga da música. O silencio é a trilha predileta de quem envelhece. Uma pena que a juventude, ainda incompleta, deixe seus pedaços nessas esquinas. O vazio da nostalgia é fruto da escolha. Há um cardápio para construir os passos do futuro. Simplesmente, espero que lá na frente, junto de tantos amigos amados, haja mais som, mais cores, mais mudanças e permanências. Haja mais vida. Que haja aquela música pra chamar de foda.

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