quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Clássicos da liberdade.


Certa vez, Samuel, um garçom amigo do meu pai, soltou uma frase que achei bastante representativa sobre a nossa constante necessidade de ser livre. Na verdade, ele nos contou uma linda e curta história, enquanto nos servia uma deliciosa fava. Discorreu Samuca um breve causo, que eu poderia batizar de uma “Ode à liberdade”. Dizia nosso amigo: “Ciro, perceba que o cara pode cuidar,  dar carinho, alimentar com o melhor jiló que existir na terra, mas, assim que perceber uma brecha, o passarinho voa da gaiola”. A réstia do sol é uma indicação irresistível de que o caminho está livre.

Mas não somente o sol nos atrai e nos liberta. Páginas de um grande livro nos transportam por diversos mundos e, assim que terminamos ou pausamos a leitura, damos um lento gole na água e uma respiração orgulhosa, como se estivéssemos organizando todas as ideias, as ruas, os cheiros; como se estivéssemos amenizando brigas, articulando uma reconciliação entre casais pelo mundo afora, guiados pelos livros. Os iluministas já carimbavam ao mundo que o esclarecimento é a base para a perfeição do exercício das capacidades humanas: o pensamento racional, a criatividade, a educação refinada, o trajeto burguês de bons comportamentos.

Me despertou grande fascínio a estratégia adotada por um presídio em Santa Catarina, na cidade Joaçaba. O esquema é o seguinte: foi indicada para cada preso a leitura de um clássico da literatura, em troca de uma redução do tempo da pena. A primeira sugestão veio da Rússia. Atividade elaborada pelo projeto Reeducação de Imaginários, os penitenciários dispostos a reduzir alguns dias no tempo de reclusão terão que ler, em 30 dias, Crime e Castigo, do escritor russo Fiódor Dostoiévski. Autor consagrado da literatura do século XIX, Dostoiévski, além de Crime e Castigo, levou às páginas sua experiência atrás das grades, na obra Recordação das casas dos mortos. Há um identidade entre leitor e autor nessa ocasião.

Não basta apenas ler o livro, folhear de forma avulsa. O preso terá um prazo para degustar a obra completa. Após 30 dias de leituras e viagens, o detento colocará uma resenha sobre o livro sob avaliação de uma Comissão e do Juiz da vara responsável pelo presídio. A ideia, muito boa por sinal, é recente. Funciona há um mês.

Para quem achou que pouca atração e utilidade haveria este projeto, já estão inscritos no projeto 23 presos, que tentarão encurtar o caminho da liberdade através de um atalho chamado leitura, sobretudo da leitura dos clássicos literários. O cheiro da história passará entre as celas e atiçará mentes renovadas, ambiciosas pelas ruas, pelo mundo e pelo contato para tentar aplicar o que absorveu da experiência de Dostoiévski.

Também estão no planejamento William Shakespeare e Camilo Castelo Branco. A proposta está validada constitucionalmente. A Lei de Execuções Penais autoriza o detento reduzir a sua pena com trabalho e estudo. Os livros utilizados no projeto foram financiados com uma verba oriunda das multas pagas por pessoas que cometeram delitos que poderiam ser submetidos a fiança.

Aos poucos, munidos de verbos e ideias, presos rompem as celas, desatam nós da falta de oportunidade, da exclusão, do crime e se introduzem num mundo mais vivo, colorido, plural e repleto de oportunidades. Uma vida com mais poesia, questionamentos e formas alternativas  e viáveis de contestar a realidade. É pelas letras que esses cidadãos irão encontrar o caminho de volta para a liberdade.

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