terça-feira, 27 de novembro de 2012

Aurora de amores – perdidos e achados.


Li uma péssima notícia hoje no meu trabalho. Acostumado a apurar notícias de vários jornais e sites na internet, geralmente escolho temas para me debruçar um pouco mais. Uma anotação sorrateira, uma pesquisa no google, uma puxada de assunto com meus parceiros de trabalho. Mas hoje fiquei inconsolado. Fui pego, talvez, desprevenido.

É que assaltaram o amor recifense. Uns dias atrás alguns casais, movidos por uma paixão ardente, fizeram uma singela homenagem ao amor. Trancafiaram, em cadeados, o sentimento de cada um. Segundo estava no jornal de hoje, “um monumento ao amor”.
Achei isso uma coisa sensacional. Em tempos de materialismo puro, da renúncia da convivência, dos relacionamentos soltos, inconsistentes e viris, alguém escolheu outra pessoa para se prender, por amor, em um cadeado. Expor os nomes, os carinhos, deixar ali marcado que se amam. Mas, infelizmente, alguém roubou 200 desses cadeados representativos. 

Fiquei cá imaginando o que fizeram moças e rapazes depois desse ato tão enobrecido. Foram tomar um sorvete e  passear de mãos dadas? Resolveram sentar ali mesmo, na beira do Capibaribe, na belíssima rua da Aurora, e ficar de carinhos, comendo pipoca, sonhando com a vida e imaginando que dali, daqueles cadeados, o amor nunca sairia? Ou pensaram num cinema, pegar uma sessão sem graça e, no escurinho, se beijar e alisar as mãos? Será que pensaram num motel e, no furor das homenagens, transaram incansavelmente até o sonoro e mínimo eu te amo aos ouvidos, com os pelos atiçados?

Será que foram pagar as contas da nova casa, olhar novos móveis e projetar o novo lar? Se sim, hoje todos esses sonhos, guardados com todo zelo nos cadeados, foram furtados, levados na pura ignorância, na brutalidade de uma marretada esfacelando corações imaginários.

Sobre o caso, eu abri duas linhas de investigação: a primeira considera assalto puramente em busca de lucro,  em virtude de um possível valor que o material do cadeado possui. A segunda, a que mais pesa nas deduções e nas pistas deixadas, é carência. Alguém, que desejou estar exatamente na hora da homenagem e não esteve porque faltava o amor, resolveu se vingar, arrancar com ódio aquelas marcas de felicidade que não possui. Levou pra casa todos os cadeados, entulhou todos no quintal, chorou desesperadamente e, o que tudo indica, voltará lamentado o ato brutal que cometeu.

Aparecerá nos jornais, dará entrevista ao rádio e será convocado para um programa da Tv. Aos prantos, colocará a solidão como comparsa nessa história e, após o anuncio de prisão, durante o último depoimento ao delegado,  tentará reduzir a pena afirmando que ela foi a mentora intelectual do crime. Que seduziu sua racionalidade, que introduziu em sua mente essa ideia maluca de sequestrar o amor dos outros. Uma pena. Pobre rapaz. Deixou o Recife menos amável. O que compensa são os corações grudados na memória dos homens e das mulheres que lutaram pelo fim da Ditadura. Corações lindos que são obras do projeto Tortura nunca mais,expostos na linda rua da Aurora..

Ó, rua da Aurora, por que és tão linda? Por que só tu, rua do Rio, que recebes essas homenagens, esses amores, esses ímpetos da solidão, esses sentimentos? Perdoa os desamados, acolhe como teus filhos e cuida com cadeados amáveis e corações protetores. 

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