Foi durante minha pedalada matinal que a notícia me chegou. Um jovem senhor durante sua crônica diária, enquanto varria a garagem de casa, proseava com o vizinho. Eu, como de costume, não pude passar desocupado durante minha pausa para reabastecer as energias e liguei os meus ouvidos:
"Marrapaz, hoje fez quatro anos da morte daquele cabra que cantava Eu não sou cachorro, não...É...Waldick Soriano", alertou o cronista.
"É, rapaz. Ele faz falta mesmo". respondeu vizinho.
"E como!", rebateu o puxador de conversa.
No fundo, todo brasileiro adora chorar um amor perdido. Parece que se coça a semana inteira para que, na sexta-feira, tenha a possibilidade de chamar um amigo e tomar uma cachaça lamentando a mulher ou o homem que partiu. O assunto começa como uma tese psicanalítica, com citações ao mestre Freud, e termina com um sonoro "aquela cachorra", uma virada de um gole só da cachaça e o pedido caloroso por Waldick Soriano.
As canções desse baiano surgem como hino à noite caberística. Toca nas melhores casas noturnas, embalando corações apaixonados. Dono de um charme peculiar, Waldick saiu de Catité, sertão da Bahia, buscando a fama e o sucesso na música ou no cinema. Inspirado em Durango Kid, acatou o chapéu estilo cowmboy, famoso nos filmes de faroeste, em seguida o velho paletó da malandragem e o arrebatador óculos escuros.
Como o maior cantor romântico brasileiro, intérprete de canções viscerais, inevitavelmente Waldick amou muitas mulheres, inclusive algumas delas ao mesmo tempo. Dividia-se entre elas por não saber dizer um não, abandonar uma paixão, correr o sério risco da irremediável solidão.
Nas letras, a dura crueldade do amor, da saudade e da traição, elementos indispensáveis na vida de todo brasileiro. Waldick é o tipo de música que um velho de 60 anos ou um menino de 15 ajoelham-se, pertinho da parede, escorando o quengo, e cantam aos berros, com a mão no coração. É música que se lamenta, expele a dor, que faz o ser humano abraçar o amigo e erguer as mãos adorando o amor.
Antes de morrer, em 2008, o músico vinha lutando contra um câncer, descoberto em 2006. Mesmo em recuperação, Waldick cantou e emocionou plateias, em especial um show emblemático em Fortaleza, chamado Waldick Soriano - Sempre no meu coração, dirigido pela atriz Patrícia Pilar e em seguida transformado num belo Dvd. Esta belíssima obra, inclusive, quando nosso infalível bar de Margarida funcionava, ao redor da UFPE, não demorava muito a tocar e a estudantada toda se entregava ao brega romântico.
Como toda manhã pra mim é surpreendente, me veio essa notícia comovente. Senti falta de algum disco do Waldick, para continuar a pedalada curtindo um som para homenageá-lo também, assim como fez os dois senhores. Mas não tem problema. Hoje é terça-feira e com certeza haverá alguém na Mamede Simões, no Bar Central, no Cais de Santa Rita, em Olinda,no ônibus, na bicicleta, no táxi, no Rádio, nos Ele e Ela da vida colocando Waldick Soriano pra cantar Quem és tu, A dama de vermelho, Torturas de amor, Eu não sou cachorro, não, entre tantas outras, e chorar abertamente a dor de quando a saudade aperta.
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