sábado, 1 de setembro de 2012

Uma história de afeto e aventura com os livros.

Corre em segredo de Estado a inauguração de uma biblioteca comunitária na Vila Santa Luzia, aqui na Torre. À frente da iniciativa estão os meus amigos Edu Castro, poeta dos maiores, e Matheus Pinheiro, o menino que desenha o mundo. Sábado passado levei minha primeira contribuição. Juntei numa sacola Histórias do Recife mal assombrado, adaptações infanto-juvenis de Machado de Assis (Dom Casmurro) e Raul Pompéia (O Ateneu) feitas por Ivan Jaf, as Flores para Cecília do pernambucano Paulo Caldas,  com uma edição rara de Ásperos Tempos, primeiro volume da trilogia Subterrâneos da Liberdade, de Jorge Amado.Esta obra foi uma encomenda do Partido Comunista Brasileiro e é uma espécie de lado B do escritor baiano. Mostra a rotina de um militante comunista brasileiro sob os auspícios do Estado Novo varguista. Uma narrativa envolvente, que mescla tons de aventura com densidade ideológica no Brasil dos anos 1930.

Entre uma cerveja e outra, imaginava - em silêncio - quantos mundos seriam abertos a partir daquelas leituras. Edu, enquanto ordenava os novos livros, comentava de suas andanças pela Prefeitura do Recife, a articulação com a Associação Comunitária da Vila e eu, observando o olho cheio de brilho daquele poeta, também me encantava. Fiquei produzindo sonhos naquele momento, vendo as crianças da Torre em rodinha, com livros na mão, sorrindo, desenhando, pensando, mirabolando, traçando travessuras. 

O orgulho não se contém nessas horas. Amante de livros e um consumidor desmedido de livrarias, tenho muitas ideias para bibliotecas. Penso nas estantes, na decoração, nas atividades, nas rodas de leitura, oficinas de palavras, brincadeiras... Penso em um espaço constantemente vivo. 

A ideia da biblioteca me comove bastante porque faz pouco tempo que eu me despertei para a literatura. Quando mais novo, não gostava dos livros. Preferia a rua, jogar bola, estar com os amigos, solto. Acreditava ser uma chatice, aquele mundo de leituras. Meus pais viviam incomodados com meus erros de português e sutil incapacidade de interpretação. Vivia em outros mundos, desapercebido das ideias. 

Foi aí que me presentearam o livro "O Menino sem imaginação", de Carlos Eduardo Novaes. Confesso que não li, mas fiquei incomodado com o sugestivo título diante da minha situação. Senti que havia um complô contra as minhas inércias. Meus pais, de uma forma discreta, disseram: você é um garoto que não pensa. Precisa ler! Foi um puta choque. 

Lembro que ainda debulhei algumas páginas, mas não deu. Não li o livro. Não havia prazer. Era mais uma pressão do que uma sugestão. Me deixavam ainda mais preocupado as comparações com meus amigos. 

"A filha de fulano já está no terceiro livro do Harry Potter". 

Sorrateiramente, naquele tom de conversa de juízo, eu soltava um leve  "E daí?". Preferia debater a escalação do Santa Cruz, me dedicar a melhorar minhas habilidades no futebol para não passar vexame nas peladas, ou então pedalar nas intermináveis ladeiras do Parque Capibaribe. Ficava dando um pinta de indiferente àquelas críticas, mas hoje relembro que, no fundo, havia um certo desfalque, um lado do meu cocuruto alertava da necessidade da leitura, ainda mais pelas recorrentes notas vermelhas no boletim. 

Depois de uma longa conversa com meu pai, resolvi começar a ler. Seguindo uma dica dele, coloquei uma folha de papel ofício do lado para identificar e anotar palavras que eu não sabia o significado para achar depois no dicionário. O livro foi a biografia de Pedro Simon. Em menos de 05 páginas e quase uma hora de leitura, já tinha preenchido uma  folha quase toda de palavras indecifráveis para mim. Passei a achar o Pedro Simon, senador da república oriundo dos pampas,uma figura enigmática. Não foi dessa vez. 

Mas sempre tem um livro que desata o nó e nos embala nas ladeiras da leitura. O meu foi a auto-biografia de Samuel Wainer ( Minha Razão de Viver - o título do livro); depois veio Machado de Assis, Jorge Amado, Mário Vargas Llosa, Gabriel Garcia Marquez, José Saramago, Chico Buarque, Euclides da Cunha e meu fascínio por Canudos. Depois, já no meio da ladeira, entrei na faculdade e fui diagnosticado com uma compulsão por livros. Mas não consegui conter a entrada de Nietszche, Walter Benjamin, Robert Darton, Eric Hobsbawm, Eduardo Galeano, George Duby e tantas outras figuras. 

Confesso que perdi o freio. Leio vários livros ao mesmo tempo e em vários lugares: tem o livro da mesinha do "escritório", o livro do banheiro, o livro que folheio antes do sono, o da mesa da sala, o do ônibus. Nunca paro de ler. E assim, junto a outros amigos queridos, como Edu e Matheus, espero contaminar novos leitores, futuros escritores da nação. Jogar a sementinha do verbo e colher uma grande vida que brotará em segundos. 

Vou indo devagar por aqui, com o meu Guerra e Paz embaixo do braço. Estava relendo o Os Sertões, mas depois de uma conversa com uma grande amiga ontem, deu vontade de dar uma passada nas ruas da Rússia e conversar um pouco com Tolstói, rir dos seus salões, compreender a imensidão do seu tempo, sentir a importância de Bonaparte no contexto diplomático das primeiras décadas do século XIX. Sentir o quanto a Guerra e a Paz sacodem a humanidade. 

Nada melhor do que os livros para promover uma viagem de Canudos, no sertão da Bahia, em 1894, para a Rússia, em São Petersburgo, em 1805.

SERVIÇO:
Quem tiver livros para doar, não se acanhe: pode escrever um comentário aqui ou no facebook, que a gente articula a doação. 




Um comentário:

  1. Fico imensamente grato palas palavras, Afonsinho. E também fico feliz pelo apoio que certamente será muito necessário. A ideia de poder navegar, viajar e acima de tudo sonhar, apenas lendo me encanta profundamente e desejo que essa possibilidade se faça presente nos moradores (crianças, adolescentes, adultos, velhinhos, todos) da Vila Santa Luzia e das comunidades próximas.


    Além de mim e de Matheus, outro grande amigo meu compartilha este trabalho, Wemerson Silva. Desde o primeiro momento se encantou pela ideia e não nega esforços. Um detalhe importante (bom) Wemerson é estudante de biblioteconomia, veja que maravilha.

    Ah sim, estamos completamente abertos para receber novos amigos para o trabalho que é árduo.

    Edu

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