sábado, 12 de janeiro de 2013

Amar: um mau costume


Caro leitor, caso você tenha náuseas com coisas sentimentais, melhor deixar este post para outro dia, ou quem sabe nunca mais e, por favor, eu torço por isso, aguarde o próximo texto. Mas é que, entre tantas coisas na vida, o amor também é um costume. Daqueles do pior que existe. Troço que nasceu encangado com o vício. Como não perco um só “retrato” da vida em comum que nós temos por esse mundo, faço questão de comentar. Meu amigo Boneco, vulgarmente chamado pelos pais como Phillipe, diz que eu sou do tipo que capta a menor coisa da conversa e escreve uma imensidão de invenções em cima daquilo. Eu retruquei, dizendo que isso é ficção. Ele insiste que não.

Mas acontece, meu amigo, que há por essas bandas todas quem jure que o mundo ainda é o mesmo. Só nos falta, para quem acredita, a tanguinha verde de Adão e a implicante curiosidade de Eva. Há também quem olhe enviesado e desconfie um pouco de tudo, muito embora a certeza seja um conceito abstrato para as suas conclusões, duvidando das próprias opiniões. Outros atestam com muita ênfase, alinhados num pessimismo original de marca, que o mundo mudou e está uma merda.

O que na verdade guarda ainda uma semelhança de outros tempos é esse tal de amor. Menino cabuloso, cabe em todos os lugares. Parece roupa masculina, servindo em todas as ocasiões – do casamento ao funeral. Quando não existe, no sentido concreto de ser, faz qualquer um buscá-lo em outra pessoa, numa pressa sem freios. No caso do marmanjo atormentado pela solidão, a divina dama – quase uma dama Cartolônica – é o seu alvo. Alguns têm métodos estranhos de amar, testando em beijos, amassos, exatamente num plural confuso, cujos amores não se definem, e se turvam, e se amontoam. Mas amam. Não posso julgar, tentando impor minha forma, maneira e bom costume. Esse verbinho cheio de love nasce de dentro, cá conosco. Realiza-se por nosso convencimento.

Eu sou do time dos amantes tradicionais, como na canção de Roberto Carlos. Sou bem à moda antiga, e bem passado, o camisa 10 dos caras. Chamo de amor, saio pra jantar, escrevo uma cartinha, do tipo que ainda manda flores e que, apesar do velho tênis e da calça desbotada, eu ainda conservo a velha paixão, única e indizível.

Mas há outra face do amor, que é tão marcante quanto qualquer outra: a sua despedida. Lá em São Lourenço da Mata, na época da turma que não perdoa nada, chamavam isso de “dor de cotovelo”. Quando o amor da gente põe um fim na nossa história é quase uma ressaca sem cachaça. Quando se perde um grande amor, você fica mais exigente consigo mesmo. Não se perdoa por ter sido grosso, por ter achado que venceria a discussão mantendo aquele orgulho imbecil. Fica uma nódoa triste na vida.

Pior que a mancha de vinho na cerâmica da casa, que foi aberto para brindar mais um dia de amor e terminou no chão, vítima de um impulso, de um descontrole, uma raiva enxerida. Lá está a prova da tensão do fim do amor, ao lado dos cacos de vidro da taça que os dois compraram num sábado de sol, no Atacado dos Presentes. Era o primeiro item da futura casa.

O cara passeia de cueca dentro de casa, com a cabeça doendo, e repara na sujeira deixada por um já passado torturante. Lembra-se da cor do vestido dela, de quando ela se desfez do salto. Até na hora do banho, o cheiro do sabonete remete a um bom cotidiano. Os passeios de mãos dadas, as conversas repetidas e melosas e os apelidos eternizados. Uma semana depois, quando ela volta para buscar as roupas, meio que acende aquela esperança, como a última brasa de uma fogueira. Ela ainda te chama pelo apelido. Ilusão ferina.

Ela passeia retomando tudo que julga seu. O sorvete da esquina, o jornal que assinaram juntos, os melhores restaurantes mais baratos do Recife, o cinema apertado do Boa Vista, o cd de Chico Buarque e o vinil de Fagner, arranhados de tanto tocar no som do quarto, a camisa do Santa Cruz, o livro do Milan Kundera, o documentário do Silvio Tendler, o desenho imitando o Oscar Niemeyer que um amigo designer fez pra eles. Já são peças do museu íntimo do casal que não existe.

A memória é cortante. Depois do fim, haja amigo e haja cerveja para tentar despistar a lembrança. Cada casal que passa na rua dá uma inveja sacana. Os almoços de domingo nos restaurantes são terríveis para quem passou por um fim de um grande amor. Aparenta-se a uma tortura ou a uma tragédia. Um tsunami asiático.  

O fim de um grande amor é brega. Mais ainda o recomeço de uma vida a sós. A lista do que fazer é extensa: são ensaios na frente do espelho com as melhores frases para puxar assunto com outra mulher; mudança no guarda-roupa, mas essa está condicionada a uma dieta, geralmente seguida de uma adesão ao vegetarianismo (só de segunda a quinta); prometer aos amigos retomar ao futebol da quarta-feira; frequentar lugares badalados, famosos e cheios de mulher que gostam de Jorge e Mateus; e escrever no blog histórias engraçadas, românticas e saudosas.

Mesmo assim, sabendo de cor as receitas dos dois lados desse sentimento bonitinho, a gente ainda insiste. O ranço de um sofrimento por amor arranhando o lado esquerdo do peito do camarada e a única solução pensada pelo sujeito é, simplesmente, encontrar um novo amor. Essa esperança romântica de um grande amor é um baita de um bom mau costume.

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