Caro leitor, caso você tenha náuseas com coisas sentimentais, melhor
deixar este post para outro dia, ou quem sabe nunca mais e, por favor, eu torço
por isso, aguarde o próximo texto. Mas é que, entre tantas coisas na vida, o
amor também é um costume. Daqueles do pior que existe. Troço que nasceu
encangado com o vício. Como não perco um só “retrato” da vida em comum que nós
temos por esse mundo, faço questão de comentar. Meu amigo Boneco, vulgarmente
chamado pelos pais como Phillipe, diz que eu sou do tipo que capta a menor
coisa da conversa e escreve uma imensidão de invenções em cima daquilo. Eu
retruquei, dizendo que isso é ficção. Ele insiste que não.
Mas acontece, meu amigo, que há por essas bandas todas quem jure que o
mundo ainda é o mesmo. Só nos falta, para quem acredita, a tanguinha verde de
Adão e a implicante curiosidade de Eva. Há também quem olhe enviesado e
desconfie um pouco de tudo, muito embora a certeza seja um conceito abstrato
para as suas conclusões, duvidando das próprias opiniões. Outros atestam com
muita ênfase, alinhados num pessimismo original de marca, que o mundo mudou e
está uma merda.
O que na verdade guarda ainda uma semelhança de outros tempos é esse tal
de amor. Menino cabuloso, cabe em todos os lugares. Parece roupa masculina,
servindo em todas as ocasiões – do casamento ao funeral. Quando não existe, no
sentido concreto de ser, faz qualquer um buscá-lo em outra pessoa, numa pressa
sem freios. No caso do marmanjo atormentado pela solidão, a divina dama – quase
uma dama Cartolônica – é o seu alvo. Alguns têm métodos estranhos de amar,
testando em beijos, amassos, exatamente num plural confuso, cujos amores não se
definem, e se turvam, e se amontoam. Mas amam. Não posso julgar, tentando impor
minha forma, maneira e bom costume. Esse verbinho cheio de love nasce de
dentro, cá conosco. Realiza-se por nosso convencimento.
Eu sou do time dos amantes tradicionais, como na canção de Roberto
Carlos. Sou bem à moda antiga, e bem passado, o camisa 10 dos caras. Chamo de
amor, saio pra jantar, escrevo uma cartinha, do tipo que ainda manda flores e
que, apesar do velho tênis e da calça desbotada, eu ainda conservo a velha
paixão, única e indizível.
Mas há outra face do amor, que é tão marcante quanto qualquer outra: a
sua despedida. Lá em São Lourenço da Mata, na época da turma que não perdoa
nada, chamavam isso de “dor de cotovelo”. Quando o amor da gente põe um fim na
nossa história é quase uma ressaca sem cachaça. Quando se perde um grande amor,
você fica mais exigente consigo mesmo. Não se perdoa por ter sido grosso, por
ter achado que venceria a discussão mantendo aquele orgulho imbecil. Fica uma
nódoa triste na vida.
Pior que a mancha de vinho na cerâmica da casa, que foi aberto para
brindar mais um dia de amor e terminou no chão, vítima de um impulso, de um
descontrole, uma raiva enxerida. Lá está a prova da tensão do fim do amor, ao
lado dos cacos de vidro da taça que os dois compraram num sábado de sol, no
Atacado dos Presentes. Era o primeiro item da futura casa.
O cara passeia de cueca dentro de casa, com a cabeça doendo, e repara na
sujeira deixada por um já passado torturante. Lembra-se da cor do vestido dela,
de quando ela se desfez do salto. Até na hora do banho, o cheiro do sabonete
remete a um bom cotidiano. Os passeios de mãos dadas, as conversas repetidas e
melosas e os apelidos eternizados. Uma semana depois, quando ela volta para
buscar as roupas, meio que acende aquela esperança, como a última brasa de uma
fogueira. Ela ainda te chama pelo apelido. Ilusão ferina.
Ela passeia retomando tudo que julga seu. O sorvete da esquina, o jornal
que assinaram juntos, os melhores restaurantes mais baratos do Recife, o cinema
apertado do Boa Vista, o cd de Chico Buarque e o vinil de Fagner, arranhados de
tanto tocar no som do quarto, a camisa do Santa Cruz, o livro do Milan Kundera,
o documentário do Silvio Tendler, o desenho imitando o Oscar Niemeyer que um
amigo designer fez pra eles. Já são peças do museu íntimo do casal que não
existe.
A memória é cortante. Depois do fim, haja amigo e haja cerveja para
tentar despistar a lembrança. Cada casal que passa na rua dá uma inveja sacana.
Os almoços de domingo nos restaurantes são terríveis para quem passou por um
fim de um grande amor. Aparenta-se a uma tortura ou a uma tragédia. Um tsunami
asiático.
O fim de um grande amor é brega. Mais ainda o recomeço de uma vida a
sós. A lista do que fazer é extensa: são ensaios na frente do espelho com as
melhores frases para puxar assunto com outra mulher; mudança no guarda-roupa, mas
essa está condicionada a uma dieta, geralmente seguida de uma adesão ao
vegetarianismo (só de segunda a quinta); prometer aos amigos retomar ao futebol
da quarta-feira; frequentar lugares badalados, famosos e cheios de mulher que
gostam de Jorge e Mateus; e escrever no blog histórias engraçadas, românticas e
saudosas.
Mesmo assim, sabendo de cor as receitas dos dois lados desse sentimento
bonitinho, a gente ainda insiste. O ranço de um sofrimento por amor arranhando
o lado esquerdo do peito do camarada e a única solução pensada pelo sujeito é,
simplesmente, encontrar um novo amor. Essa esperança romântica de um grande
amor é um baita de um bom mau costume.
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