sábado, 27 de junho de 2009

“Eu precisava apenas de atenção”

Já faz um tempo, eu estava com uma amiga, sentado na Praça do Derby, falando da vida normalmente, contando as besteiras da escola, assuntos políticos e, lógico, a famosa filosofia. De repente nos chega um homem, vendendo brincos e alguns apetrechos hippies. Segundo ele, uns 42 anos de idade. Mas aparentava ter já seus 50, aparência essa que fui descobrir o motivo depois. Pára, encosta o tabuleiro e nos oferece o produto, mas Marília, delicadamente, assim como ela é, diz que não tem condições de comprar no momento.


Ele encostou o tabuleiro na perna esquerda e com um sotaque meio "gay" puxado prum carioquês começou a dizer que aquilo era muito ruim pra ele, que a vida dele dependia da venda dos brincos e pulseira e não agüentava mais ouvir um "Não, obrigado", "Infelizmente, não posso". Estava de saco cheio de ser ignorado pelas pessoas, e isso vem desde a infância. Foi um tremendo desabafo, um discurso longo. O nome dele era Marcos, como já disse, 42 anos. Falou de tudo. De história a assuntos gerais, passando por religião e música.

Marcos disse que foi jovem "Porra louca". Saiu de casa aos nove anos porque estava incomodado com as cobranças da mãe. Jogava bola em Campo Grande, passeava em Casa Forte, tomava banho de praia em Boa Viagem, mas nunca frequentou uma escolo. "Eu topava tudo" Até que um dia conheceu uns garotos, em uma de suas andanças, pelo bairro dos Coelhos. "Era uma turma da pesada, tinha sempre uma back pronto e uma conversa muito louca pra fazer"

Mesmo sem ter a mínima vontade de frequentar a escola e encarar as cobranças das obrigações diárias, Marcos era atento às transformações pelas quais o mundo estava passando. Década de 80 foi um período tenso na polítca. "Os manos tudo doido pra passar pra Democracia naquela época.Hoje falam em Liberdade de vida, mas ninguém vê o lado do negão aqui".

Marcos começou a usar maconha com 9, aos 12 tomava anfetamina. Às vezes, pedia grana ao pastor de uma igreja nos Coelhos para poder pagar o "teco" do dia. " O pastor era muito gente fina. Eu chegava dizendo que tava com fome, ele me dava um puto e ia lombrar." Depois de correr o Recife todo, de ponto a ponto, descobriu um mangue perto de Santo Amaro. Todos os dias, era preso e solto, apanhava pra caramba. As suas costas são as marcas da cicatriz que a vida o deixou." Apanhei muito, mano. Muito mesmo. Os caras já me conheciam e não tinham pena, batiam pra valer. Quando viu que não aguentava mais apanhar tanto da polícia, resolveu pegar a estrada e foi Brasil afora. Juntou uma grana com o pessoal da igreja, arrumou outra quantia pedindo no sinal e partiu para vida.

Brasília, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Buenos Aires junto com a irmã foi a trajetória do Hippie Marcos. Em cada canto um sofrimento, uma alegria, uma emoção. “As viagens foram uma escapatória do meu sofrimento em Recife, mas eu sabia que minha vida estava aqui. Em Minas, Marcos visitou um grupo alternativo, que tinha umas idéias comunitárias que atraíram o recifense solitário. Foi quando ele entrou em contato com arte alternativa e passou a produzir o material rústico. As ideologias do grupo fortificaram a fé e a esperança em Marcos, fazendo com que ele largasse as drogas. “Me renovei com aquele povo.Tenho eles aqui ainda, no coração.”

Foi quando ele começou a vender os produtos e largou as drogas. Hoje, tem uma irmã, que foi casada com um Argentino, internada em estado grave no HR. “Esse argentino já me aprontou poucas e boas”. Terminada a conversa, ele se despediu nos dando orientação de nunca enfrentar as drogas e sempre estudar”. “Meu irmão, não faz mal usar uma camisa de marca, não é isso quem vai dizer o que você é, e sim você e sua consciência, velho”. Foi emendando com a dica de sempre: Estudem, velho.Estudem" "A única coisa que me arrependo até hoje foi não ter estudado. Estudem!” E o melhor foi o que ele disse no final, no finalzinho mesmo: “Eu estava precisando conversar com alguém. Muito obrigado”.

"Eu precisava apenas de atenção

E partiu. Marília, muito sensível, pôs-se a encher os olhos de lágrimas encantada com toda aquela história. Eu senti forte aquela situação de um homem que precisava apenas de atenção. Marcos era só mais um daqueles que passam perto da gente e pensamos ser apenas um ninguém. Mas, ele era! Não é mais. Depois daquele dia ele ganhou ouvidos para sua história, visão de vida e um desabafo de um homem sonhador. Naquele fim de tarde no Derby vai caminhando um nobre homem, sofredor da vida, em busca de salvação para sua solidão. Em busca de atenção.

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