terça-feira, 14 de agosto de 2012

As memórias que o futebol acende.

Ainda guardo o bilhete que era meu passaporte para o monumental Estádio do Arruda. Era 1997 e o jogo era válido pelo Campeonato Brasileiro da Série B. Uma partida intermediária, nada decisiva, apenas contagem de pontos e no horário noturno, natural do meio da semana. Ainda na segunda-feira, às vésperas do espetáculo da Quarta, meu pai e minha mãe me presentearam uma linda camisa do Santa Cruz. Precisava estar bem vestido para um Santa x Payssandu. 

Às 15h do dia do jogo não conseguia segurar a ansiedade. Olhava para a blusa, corria no quintal chutando a bola e narrando o que seria a partida da noite: "Lá vai Mancuso pela esquerda, trabalhou com Biliu no meio de campo, que já lançou para Camanducaia, sozinho na grande área, ele e o goleiro. Preparou-se para o chute: é gol, do Santa! ". 

Ia por ali, imaginando o meu clássico da noite, o meu futebol, a minha paixão. A caminho do Estádio, ouvia o rádio exibir as análises dos comentaristas. Os desfalques, as estratégias; repórteres transmitindo ao vivo informações sobre a movimentação do público na área externa. 

Ao se aproximar, já na esquina da Avenida Beberibe, lá estava aquela estrutura imensa esperando a minha estréia como torcedor do Santa Cruz. A qualquer novato ou visitante, o Arruda impressiona. Uma arquitetura colossal, um charme sem luxo, uma história em concreto. 

Ali foi minha primeira experiência com o futebol profissional, nas arquibancadas, nas vibrações. Mas me acostumei com as peladas no meio da rua, na prática da famosa barrinha: dois times com dois meninos e as traves da barra com pedras adaptadas. O maior embate, nesses clássicos de São Lourenço, era com as ladeiras do Parque Capibaribe, bairro que cresci. Elas deixavam a partida mais eletrizante.  Era um pelada raçuda, disputada nas últimas canelas e na eficiência da velocidade. 

Depois, eu e meus parceiros de futebol ganhamos uma quadra, na praça de eventos. Transferimos nossas habilidades para lá e trouxemos de volta a paciência da vizinhança. 

Desde esse tempo, percebi que o futebol tinha essa capacidade de unir gente, de valorizar o coletivo. Admirava ver uma jogada na raça ser reconhecida pelo companheiro, a vibração de um esforço, o aplauso de uma linda jogada, a expectativa de um gol de longa  distância e um abração de consolo depois de uma falha. Os gritos, as gírias - "Olha o ladrão, é nossa" - tudo sinaliza para um esporte em equipe, sem exibicionismo. 

Eu adorava e adoro quando um jogador-treinador, durante a montagem de uma jogada, alerta: "faz o fácil". Inconscientemente, o futebol ativa esse instinto simples, colaborativo e solidário que está adormecido. O futebol tem dessas coisas de fazer o olho brilhar, o estômago ficar lotado de emoções e o coração, acelerado, se apaixonar constantemente. 

É um verdadeiro baile de chuteiras, numa dança rústica e masculina. O futebol é o charme nacional. Não há quem segure a emoção de um Maracanã, Arruda lotados. A euforia não tem censura. Há quem se derrame pelas ruas lamentando a frustração, como eu lamentei em 1997, na minha estréia como torcedor, a derrota para o Payssandu. Mas também já varei madrugadas, fiz carreata, pintei o rosto e me enrolei na bandeira para comemorar títulos, vitórias, glórias e ascensões. 

Mesmo no tempo do consumo, na fulminante máquina capitalista, na fábrica de estrelas publicitárias, que cada vez mais minimizam o futebol e maximizam um espetáculo vazio, a minha esperança no futebol continua acesa, assim como minha memória afetiva, que me faz lembrar de Givanildo, Ramon, Luciano Veloso; me faz lembrar dos mais recentes, como Luizinho Vieira, Reinaldo, do grande goleiro Nilson, do arqueiro de 2005 Cleber. 

Me fazem lembrar e, ansiosamente, esperar por um futebol de brilho, de raça, de solidariedade, de empenho. De um futebol que, no fim de tudo, peça só uma coisa: "faz o fácil". 

5 comentários:

  1. Muito bom Afonso, gostei demais. Saudações Tricolores. E que nossas lembranças do Arruda sejam, daqui pra frente, mais felizes!

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  2. O Santinha só dá orgulho, meu querido. Continue firme na leitura deses pensamentos folgados. Abraços.

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  3. Afonsinho, muito bom o texto, ou diria "show de bola"?! Leitura muito gostosa e contagiante, cheguei a sentir sua emoção ao rememorar esses fatos que pareciam vãs, porém traziam uma bagagem de sentimentos que você sobe mostrar brilhantemente. Olhe a hora que comentei (caso o blog não esteja bem sincronizado, são 23h11) e veja o quanto tou sendo sincero. Abração.

    Edu.

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