domingo, 26 de agosto de 2012

As profissões que recriam a utilidade.

Foi há um mês, quando precisei fazer uma nova cópia da chave da porta da minha casa, que eu redescobri esse mundo de profissões ignoradas, como sintetiza Paulo Barreto(ou melhor seria chamá-lo de João do Rio, autor de A alma encantadora das ruas). Em uma dessas cervejadas além da conta, as minhas chaves resolveram voltar sozinhas para casa. Não aguentavam mais de sono, uma conversa sem rumo e pegaram o caminho de volta. Mas se perderam, fugiram do meu alcance e eu precisei fazer uma cópia das que estavam em casa, sob observações dos meus pais e de Roseli. 

Cheguei no rapaz conhecido como chaveiro e pedi pra ele fazer duas cópias. Imaginei que custaria uma fortuna, afinal desvendar os segredos de uma fechadura é de fato uma missão enigmática. Chaveiro recorria a um olhar clínico, sentia bem as curvas do segredo, imaginava a dificuldade posta propositadamente e ia descobrindo aos poucos os caminhos. Ligou sua máquina, que foi imprimindo em outro metal as mesmas silhuetas da chave oficial. Em menos de dois minutos, incluindo a parte estética do lixar as curvas, retirar o pó e concluir com um leve sopro de finalização, já tinha de volta a garantia de entrar em casa. 

Fiquei surpreso com essa minúcia, essa pequena elegância do chaveiro. Um salvador de almas perdidas e trancadas. HD dos esquecidos, distraídos pelos pássaros ou simplesmente pela nuvem mais gorda daquele  dia, deixando as chaves em lugares destinados aos perdidos. 

Espero que minha amiga Laura da Hora não exija muito do meu texto em relação a macro e a microeconomia. Minhas referências econômicas são outras, talvez mais literárias. Acontece que já faz um tempo que venho refletindo sobre essas profissões singelas, mas ignoradas. Em cada esquina mais comercial tem uma banca de chaveiro, um borracheiro, um colecionador, um vendedor de selos. amolador de alicate de unha, mecânico de panela de pressão, um tirador de foto 3x4. Fico surpreso e contente ao mesmo tempo com essa variedade de profissões que costumam transformar o inútil em útil com uma facilidade sem medida. Apenas um argumento, um convite, uma demonstração habilidosa e tá conquistado o cliente. 

Sei que toda essa condição singela vai além do que imaginamos. Há embutida nas almas desses homens e dessas mulheres uma tendência ao que é simples, uma tendência à recomposição e à simplicidade. Há dias venho admirando esse comércio informal, essa talvez microeconomia, mas que deveria estar nas macroeconomias, determinando PIBS, elevando gráficos do país, recebendo mais incentivos fiscais, participar de negociações internacionais no Ministério da Fazenda. Deveriam ser considerados homens de negócios. Afinal, concordamos em um assunto: viver à sombra dessas fábricas grandiosas, não é fácil. 

Por isso, para esse texto instintivamente emocional, vou solicitar um fragmento de João do Rio, meu escritor preferido do momento. Ele resume toda essa história da melhor forma possível: 

Esses vendedores ignorados, segundo João do Rio, "[...] são os heróis da utilidade, os que apanham o inútil para viver, os inconscientes aplicadores á vida das cidades daquele axioma de Lavoisier; nada se perde na natureza.A polícia não os prende e, na boêmia das ruas, os desgraçados são ainda explorados pelos adelos, pelos ferro-velhos, pelos proprietários das fábricas."


Na verdade, ouso concluir: são eles as resistências, as esperanças de solução para um mundo cada vez mais insuportavelmente descartável. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário